Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Invasões ibéricas

Portugal e Espanha podem ditar fim do projeto multicultural e liberal da Europa

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André Ventura, político de extrema direita em Portugal - Duarte Roriz - 23.out.18/Correio da Manhã

Muitos apostavam que a península Ibérica escaparia à tentação da direita populista. Apesar do derretimento da classe média provocado pela crise financeira de 2008, portugueses e espanhóis eram gratos à Europa pelos avanços civilizatórios dos últimos 30 anos. A memória das duas ditaduras que dominaram o século 20 ibérico servia de poderoso antídoto contra a extrema-direita, excluída do tabuleiro.

Essa impressão era reforçada pelo fato de que Portugal e Espanha encontravam-se na vanguarda do experimentalismo político. 

O sucesso da união da esquerda portuguesa, conhecida como Geringonça, e o dinamismo das novas formações espanholas, o centrista Cidadãos e o esquerdista Podemos, mostravam que era possível produzir uma alternativa viável ao bipartidarismo tradicional e garantir a sobrevida da cada vez mais enfraquecida social-democracia.

O aguçamento do debate sobre a independência da Catalunha interrompeu esse processo estimulante, embora ainda precário, de renovação. Aproveitando a desastrosa moda dos referendos, uma coalizão improvável de independentistas conduzida por oportunistas sequestrou a política espanhola com uma reivindicação inviável. 

A crise da Catalunha teve na Espanha o impacto que o brexit teve no Reino Unido: rachou os partidos, radicalizou os políticos e, mais grave ainda, ativou os piores reflexos da extrema direita, uma das mais reacionárias do continente. Até ontem perfeitamente irrelevante, o Vox tem tudo para se tornar o fiador do próximo governo espanhol.

As consequências da guinada à direita da Espanha já podem ser vistas no país vizinho, onde a popular Geringonça enfrenta uma ofensiva sem precedentes da direita populista. O "Bolsonaro português" André Ventura e seus aliados aproveitaram o bom desempenho do Vox para anunciar um "bloco antissistema" com o intuito de salvar Portugal do "marxismo cultural".

Impossibilitado de aprovar o orçamento, o premiê espanhol Pedro Sánchez se viu obrigado a convocar novas eleições. Portugal também vai às urnas em outubro. 

Uma eventual queda de dois dos últimos governos aliados a França e Alemanha pode ter sérias consequências para o funcionamento das instituições europeias.

Conscientes de que os ibéricos nunca aderiram à bandeira da saída da União Europeia, os seus populistas defendem uma estratégia mais pragmática: tomar o poder em Bruxelas para colocar a Europa ao serviço das suas reivindicações etno-nacionalistas.

Tendo em conta o clima politico em Portugal e Espanha, eles saem como favoritos nas eleições europeias de maio. Com o apoio dos ibéricos, a aliança da direita populista europeia tem grandes chances de formar uma bancada "anti-Europa" no Parlamento Europeu.

Se os países do leste da Europa sempre relutaram em aderir aos valores do projeto europeu, Portugal e Espanha os abraçaram entusiasticamente. Das ruínas das ditaduras obscurantistas de Salazar e Franco surgiram sociedades cosmopolitas e tolerantes. Agora, essas mesmas sociedades podem ditar o fim do projeto multicultural e liberal da Europa nos próximos meses.

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