Mais desalentador do que o sempiterno debate sobre a renovação do PT, colocado no formol por uma direção de costas voltadas para o debate programático, só mesmo as tentativas de ressuscitar o PSDB, dado como morto depois do último ciclo eleitoral.
Por enquanto, as iniciativas do seu líder João Doria limitam-se a artifícios para maquiar o cadáver, como trocar o nome da sigla e decidir a sorte de Aécio Neves.
O drama do PSDB deve ser entendido no contexto da crise da direita nas democracias liberais.
Estabelecida pelo historiador René Rémond, a definição das três direitas originárias da Revolução Francesa —a legitimista, herdeira da monarquia; a orleanista, também monárquica, mas parlamentar; e a bonapartista, suspeita das hierarquias e instituições— pautou, de uma forma ou de outra, a formação do pensamento conservador contemporâneo.
No final do século 20, essas três correntes pareciam convergir dentro de um mesmo sistema de ideias, no âmbito de um processo visto como teleológico.
Formações como a UMP francesa, arquitetada por Jacques Chirac, o espanhol Partido Popular, organizado por José María Aznar, e, justamente, o brasileiro PSDB, na altura comandado por Fernando Henrique Cardoso, tinham em comum a característica de disputar o eleitorado de centro e ao mesmo tempo marginalizar a extrema-direita.
A crise financeira global de 2008 e o subsequente colapso do sistema partidário estilhaçaram essas formações, abrindo espaço para o surgimento de movimentos identificados como centristas e populistas que reacenderam a disputa entre as três direitas.
Na França, o domínio da UMP deu lugar a uma disputa entre o centrista Emmanuel Macron e a populista Marine Le Pen.
Na Espanha, o Partido Popular viu o seu eleitorado desertar para os centristas Cidadãos e os populistas do Vox nas ultimas eleições.
Movimentações semelhantes podem ser identificadas no Reino Unido e na Alemanha.
No Brasil, a aposta na emergência de um “Macron brasileiro” redundou na eleição de Jair Bolsonaro, e o PSDB acabou sacrificado.
Hoje, a disputa no campo conservador brasileiro se resume a querelas microscópicas entre generais palacianos e Olavo de Carvalho. A extinção dos tucanos teve como consequência inesperada a extinção dos rumos do conservadorismo no Brasil.
Uma situação inaceitável.
Apesar do desempenho escabroso dos seus fundadores na última eleição, o PSDB continua sendo um viveiro de lideranças nacionais, como o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, o senador por Alagoas Rodrigo Cunha e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung.
Se descartarmos as soluções messiânicas, a legenda permanece a única com potencial para reconquistar aos populistas o comando do campo conservador.
Apoiar esse processo é um dever cívico dos simpatizantes da esquerda. O sistema político é um animal de duas pernas, e o fim da longa noite passa necessariamente pela reorganização dos seus dois polos progressistas.
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