Longe vão os tempos em que a ONU mandava no mundo.
Lembrada por estudiosos como a parteira da independência africana, a instituição comandada por lendas como Dag Hammarskjöld redesenhava fronteiras, proclamava Estados e emancipava povos durante as décadas do pós-guerra.
Hoje, a ONU segue reverenciada pelo seu simbolismo quase mitológico, mas atravessa uma crise de legitimidade sem precedentes.
O engessamento da sua última instância, o Conselho de Segurança, praticamente paralisou o processo decisório. Governos de países soberanos aplicam o princípio do à la carte na hora de seguir as decisões dos seus órgãos jurídicos. No poder, o PT, que recorreu à ONU para a liberação de Lula, ignorou alegremente as injunções sobre a calamidade sócio-econômica em Belo Monte.
As crônicas restrições orçamentárias também limitaram a sua margem de manobra. Na recente crise do ebola no oeste da África, a agência onusiana Organização Mundial da Saúde teve um papel secundário ao lado da americana CDC, que conta com um orçamento duas vezes maior.
O bizantino financiamento do sistema ONU garante um aporte anual inferior ao de uma cidade como Nova York. Só um psiquiatra pode explicar a crença de que a ONU é um órgão tentacular e onipresente.
O questionamento do papel da ONU remonta aos anos 1990. No papel de xerife atrapalhado de um mundo em plena recomposição, a organização perdeu muito da sua aura no genocídio de Ruanda e da sua autoridade na invasão do Iraque. Em 2016, a eleição de um antiglobalista na Casa Branca colocou em causa a própria ideia de governança global.
Mas quando Jair Bolsonaro decidiu pegar a onda e anunciar a saída do Brasil —ele obviamente recuou— a ONU já tinha começado a pensar na sua própria reinvenção. Sob o comando de António Guterres, um social-democrata da velha guarda com profundo sentido espiritual, a ONU foi abandonando a sua ambição quixotesca de se meter em todas as crises do mundo para se concentrar em apenas uma: a luta contra o colapso climático.
Desnecessário dizer que Bolsonaro desempenha para a ONU o mesmo papel que teve para Emmanuel Macron: o de vilão ideal. A Amazônia em chamas substituiu o urso polar sozinho no gelo como pôster do movimento, e o nome do presidente brasileiro foi berrado por milhões de manifestantes durante os mega protestos da semana passada.
A ONU tentou, e conseguiu, fazer do seu principal acontecimento anual um embate entre Jair Bolsonaro e Greta Thunberg, a já histórica ativista ambiental. Melhor ilustração possível do conflito geracional, a imagem de um encontro entre os dois inundaria as redes sociais.
Apesar do ambiente explosivo, os ideólogos do governo defendem que o presidente dobre a aposta na lacração em Nova York.
Não nos devemos surpreender, portanto, se Bolsonaro proporcionar um novo momento Mahmoud Ahmadinejad. Em 2010, o iraniano, desorientado e isolado, perdeu a compostura a disparou em plena tribuna todo o tipo de ignomínias para uma audiência esvaziada.
Podem preparar a pipoca orgânica.
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