Os chefes de Estado populistas se comportam, geralmente, como prefeitos de cidades dos seus respectivos países.
Trump rasgou o acordo de Paris sob o pretexto de que fora eleito para defender os interesses dos moradores de Pittsburgh.
Salvini chegou às portas do poder na Itália desempenhando o papel de um guarda de trânsito romano em um filme de Fellini, tratando os grandes debates nacionais como se fossem incidentes de cruzamento de ruas.
Depois de anunciar o escandaloso fechamento do Parlamento às vésperas do brexit, Boris Johnson surgiu numa ruela comercial de uma cidade do Yorkshire tentando fazer o pós-venda. Uma viagem desperdiçada.
À tentativa de municipalizar os desafios nacionais pela direita populista, os progressistas responderam com a nacionalização dos desafios municipais.
A primária do partido democrata para a presidencial americana conta com um número inabitual de atores locais.
Beto O’Rourke, Julián Castro, Bill de Blasio reivindicam a sua experiência municipal, quando, num passado recente, um presidenciável sem passagem pelo Senado ou pelo governo estadual passava por um aventureiro.
Maior surpresa da campanha até agora, o jovem Pete Buttigieg, do Partido Democrata, chega ao cúmulo de se apresentar como “Pete, o Prefeito”.
Pelo seu valor simbólico, a conquista de uma capital ou de uma grande cidade pode sabotar, ou reforçar, a narrativa do mandato de um presidente.
A derrota recente dos homens fortes da Rússia e da Turquia nos seus respectivos bastiões —Moscou e Istambul— relançou, depois de anos de apatia, questionamentos sobre a real sustentabilidade dos seus regimes.
Na França, a batalha pela prefeitura de Paris será decisiva para a continuidade do projeto centrista de Emmanuel Macron.
Dois dos seus potenciais sucessores disputarão o cargo com ecologistas e socialistas. O partido que levar a capital terá o poder de organizar a provável aliança contra Le Pen nas presidenciais em 2022.
São Paulo é a única capital global onde ninguém quer ser candidato. Principal alvo da extrema direita, a cidade que rejeitou Doria no pleito de 2018 tem sido desdenhada pelos progressistas.
Por enquanto, o projeto da oposição se limita ao embrutecimento burocrático prometido pelas possíveis candidaturas de Márcio França e Jilmar Tatto.
Lideranças confirmadas ou emergentes como Fernando Haddad, Tabata Amaral e Sâmia Bomfim se colocaram a confortável distância do debate.
Melhor ilustração do marasmo, Bruno Covas, um prefeito com trajetória para promover a tão necessária aliança contra o bolsonarismo, dá sinais de que não pretende ir além da indignação estéril sobre a corrupção no PSDB e dos gestos de simpatia à esquerda que, no seu entender, se resume a um punhado de tatuados e vegetarianos da Consolação.
Verdadeiro moedor de destinos, São Paulo tem tudo para intimidar os políticos.
Mas a ausência de um projeto credível para a cidade confirmaria as piores impressões sobre a frente de oposição ao bolsonarismo, única salvação para a democracia em 2022.
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