Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Decadência do petróleo fará Brasil repensar seu lugar no mundo

Últimos governos nutriram a ilusão de que país se tornaria petro-Estado e isso resolveria os problemas

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No final de outubro, quando passava o chapéu na Ásia a pedido de Paulo Guedes e dos executivos da Petrobras, que já antecipavam o fracasso do leilão de petróleo da ANP, Jair Bolsonaro encerrava, da forma mais melancólica possível, uma década marcada pela descoberta do pré-sal.

Na virada da década passada, Lula surgia com as mãos banhadas pelo ouro negro. A Petrobras era a empresa mais valorizada do planeta. Especialistas comparavam o Atlântico Sul à Arábia Saudita.

Logo depois, Dilma fez campanha prometendo fundo soberano e recursos infinitos para a educação. No meio de tanta euforia, a queda abrupta do preço do petróleo em 2015 foi vista como um mero acidente de percurso. O ajuste fiscal seria rapidamente compensado pela iminente ascensão do Brasil ao status de petro-Estado. Só que isso nunca aconteceu.

Plataforma de petróleo da Petrobras que fica na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro,.
Plataforma de petróleo da Petrobras que fica na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro,. - Bruno Domingos/REUTERS

Durante décadas analistas profetizaram sobre um possível pico da produção de petróleo previsto para 2005, 2018 e agora 2025. Porém, revelou-se que o problema não estava na oferta, mas na demanda.

A transição dos Estados Unidos de importador a exportador de hidrocarbonetos, o abrandamento da economia chinesa e a pressão política e social na Europa, onde os carros elétricos são onipresentes, alteraram o cálculo das grandes corporações.

Só neste ano, Repsol, BP e Chevron reavaliaram para baixo o valor de todos os seus ativos. Rompendo arranjos do tempo colonial, Exxon e Total desinvestiram na Nigéria e na Argélia para apostar na produção de gás natural em Moçambique. Até ontem impensável, a maior petroleira do mundo, a Saudi Aramco, iniciou um processo de abertura de capital.

Nada disso é surpresa. Qualquer pessoa remotamente ligada à indústria petrolífera sabe que os EUA iniciaram, no começo do século, uma revolução no setor do gás de xisto.

Estratégias de diversificação e sustentabilidade começaram a ser concebidas nessa mesma década. A despeito das evidências, o Estado brasileiro achou bom aproveitar a década de 2010 para estruturar a produção industrial em torno da Petrobras.

Os geniais engenheiros da empresa não mereciam dirigentes com o cérebro congelado nos anos 1950. E tampouco merecem os atuais, que preferem uma política de obsolescência programada a uma estratégia de transição energética.

O fim da ilusão do petro-Estado trará profundas mudanças nos discursos políticos. Para evitar o ridículo, a esquerda nacionalista terá de inventar outro motivo além do petróleo para explicar o intervencionismo norte-americano, e a direita liberal terá de parar de vender a privatização da Petrobras como a solução milagrosa para as contas do Estado.

No médio prazo, o Brasil terá de repensar o seu lugar no mundo, secularmente definido pela posição da Petrobras na economia internacional. É fato que não nos tornaremos uma Venezuela, muito menos uma Noruega.

O fim da ilusão do petro-Estado também é o fim de uma ideia de modernidade que definiu as aspirações dos brasileiros, não apenas na última década, mas no último século.

Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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