Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Dos campeões aos pastores

Campeãs nacionais eram o paraíso em comparação ao que vem pela frente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No ano de 2010, aparato público-privado erguido na ditadura, fortalecido por Collor e FHC nos anos 1990 e energizado por Lula nos anos 2000 se preparava para conquistar a África. A Vale constituía uma rede de entrepostos que iam do norte do Brasil às docas de Xangai passando pelas minas de bauxita e carvão da Guiné e de Moçambique.

A Odebrecht reconstruía de cabo a rabo Angola, já candidata a se tornar a maior potência petrolífera africana. A Petrobras via no Golfo da Guiné a extensão natural do pré-sal brasileiro no Atlântico Sul. 

No auge da política de campeões nacionais, as linhas entre o público e o privado não existiam mais. Todas contavam com o mais irrestrito apoio do poder do Estado.

Em 2010 todos acreditavam que a próxima década seria o começo de uma nova época do capitalismo de Estado brasileiro. Ela acabou sendo marcada pelo término inesperado do ideal do Brasil Grande dos anos 1970. 

Um ideal manchado pela colusão entre o público e privado, escândalos de corrupção e a contradição irreconciliável do discurso humanista e do método predatório. Não surpreende, portanto, que os últimos anos tenham sido dedicados a encontrar culpados e demonizar o passado.

Plataforma de petróleo na região da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro - Ricardo Borges/Folhapress

Porém seria conveniente lembrar que as patologias do capitalismo de Estado brasileiro são, infelizmente, comuns a outras potências. Tome-se, por exemplo, o caso da campeã nacional francesa Elf.

No final dos anos 1990, a gigante petrolífera esteve no centro do maior escândalo de corrupção da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Envolveu políticos de todos os bordos, uma juíza que virou candidata fracassada a presidente, uma teia de cleptocratas tropicais, e até o filho de François Mitterrand, Jean-Christophe, passou a ser conhecido por papamadit (papai me disse) pela sua propensão a falar em nome do pai nas negociatas.

Depois da farra, a República francesa passou um batom e seguiu o baile como se nada fosse. Rebatizada e reestruturada, a Elf, hoje Total, virou a página e expandiu seus negócios na África e principalmente em Angola e Moçambique, onde o Brasil alimentava grandes ambições.

Como sabemos os novos mandatários brasileiros preferiram agradar uma parte da opinião pública enfurecida e abandonar as campeãs nacionais, deficientes, mas fundamentais para o desenvolvimento internacional do país.

O problema é que na política como nos negócios, o vazio não existe. Aproveitando a desarticulação do Itamaraty, os movimentos evangélicos ocuparam os lugares dos executivos das grandes empresas na cabine de pilotagem da política africana brasileira

Na próxima década, transitaremos do capitalismo oligárquico de Estado ao capitalismo missionário de Estado, trocando o paradigma da China do século 21 pelo do Portugal novecentista que conferia à Igreja Católica poderes imperiais para cumprir a sua missão colonizadora na África.

A vida com as campeãs nacionais era um inferno. Mas ao lado do que vem pela frente, era o paraíso.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.