Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Na relação entre Trump e Bolsonaro, a traída é a democracia

Ao sacrificar aliados para apaziguar ansiedade do seu eleitorado, Trump confirmou reputação de parceiro desleal

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Alguns se apressaram em dizer que a decisão de Trump de elevar tarifas de aço e alumínio, anunciada na semana passada, seria um ponto de inflexão na diplomacia de Bolsonaro. Estão equivocados.

No que pode parecer um paradoxo, é a China que viabiliza politicamente a estratégia de alinhamento automático aos Estados Unidos. Para a turma do agronegócio brasileiro, o governo pode perder o tempo que quiser tentando se aproximar de Washington desde que as exportações para a Pequim continuem aumentando exponencialmente.

No entanto, a eclética turma pró-China, composta por técnicos dos Ministérios da Economia e da Agricultura, da equipe do vice-presidente Hamilton Mourão e deputados da bancada ruralista, comprometeu esse frágil equilíbrio com uma operação de charme particularmente bem-sucedida.

A reunião de cúpula do Brics foi melhor do que o esperado, e Bolsonaro voltou deslumbrado da sua viagem à China. Na semana passada, os analistas do Ipea informaram que a zona de livre comércio com a China sugerida por Paulo Guedes provocaria um aumento de 8,25% no total das exportações.

Para Trump, que divide o mundo entre aliados e inimigos da sua guerra comercial contra a China, o movimento brasileiro proporcionou uma oportunidade para mostrar quem manda na América Latina. E veio o troco, de consequências limitadas à indústria, mas de alto custo simbólico para o governo Bolsonaro.

Ao se mostrar disposto a sacrificar aliados para apaziguar, ainda que efemeramente, a ansiedade do seu eleitorado, Trump confirmou a sua reputação global de parceiro desleal.

Num governo normal, o episódio bastaria para declarar o fracasso da estratégia de alinhamento automático. O tragicômico chanceler brasileiro seria enviado para a Embaixada das Maldivas, o país mais plano da terra, e o Brasil voltaria a reclamar o seu lugar de potência média num mundo bipolar. A expansão controlada da parceria com a China também ajudaria a manter o ritmo da economia e agradar aliados do governo.

Sentindo a oportunidade, Guedes deu a senha no final de semana ao falar de “equívoco brutal” de Trump a respeito da desvalorização cambial que serviu de justificativa para as novas tarifas.

Problema: este não é um governo normal.

Como bem lembrou editorial recente desta Folha, o Planalto sob Bolsonaro passou a ser tratado como uma extensão da sua casa na Barra da Tijuca. Isso também vale para o Itamaraty. A atual política externa é confusa porque ela deixou de ser uma política pública para se tornar um instrumento a serviço de uma agenda autoritária.

Na cabeça da turma de Brasília menos comprometida com a regra do jogo, a aliança com os Estados Unidos está acima de tudo porque acreditam que Trump vai redefinir as linhas vermelhas nas democracias liberais.

Como indicam os últimos desdobramentos do processo de impeachment, ele está determinado em radicalizar e abalar as instituições para permanecer no poder. A sua vitória nas presidenciais do próximo ano será a vitória de todos os portadores de projetos autoritários ao redor do mundo.

Na relação entre Trump e Bolsonaro, a traída é a democracia.

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