A cerimônia dos 75 anos da libertação de Auschwitz agendada para o dia 27 será especialmente importante: trata-se da última data simbólica que deve contar com a presença de sobreviventes do campo de exterminação. A celebração também acontece num momento sensível para a luta pela memória da história do Holocausto.
Na Polônia, o governo recentemente tentou criminalizar qualquer acusação de cumplicidade dos poloneses com os crimes de guerra nazistas.
A “Lei do Holocausto” acabou sendo abandonada por pressão de Israel, Estados Unidos e União Europeia. Na vizinha Alemanha, o cada vez mais forte partido de extrema direita AfD urge os alemães a deixarem de assumir responsabilidade pelo Terceiro Reich.
A contestação crescente da narrativa histórica levou Merkel a visitar Auschwitz no final do ano passado e a reforçar a posição institucional da Alemanha, falando em “profunda vergonha”.
Sabendo-se da obsessão da extrema direita com Auschwitz, as tensões devem atingir um novo pico na próxima semana. De fato, negar a veracidade do campo de exterminação onde a quase totalidade das cerca de 1 milhão de vítimas eram de origem judaica é a razão de ser da extrema direita desde a Segunda Guerra Mundial.
O patriarca dos políticos negacionistas, Jean-Marie Le Pen, marcou a sua carreira política com uma citação sobre as câmaras de gás como sendo um “detalhe da história”.
A ofensiva contra Auschwitz sofreu derrotas judiciais e historiográficos no começo do século. O historiador David Irving perdeu o processo de difamação contra a historiadora Deborah Lipstadt no Reino Unido e outro historiador negacionista, Robert Faurrisson, foi condenado inúmeras vezes na França.
No entanto, ela ressurgiu com força com o advento da alt-right, o movimento informalmente comandado por Steve Bannon que tomou conta, ainda que parcialmente, do aparelho ideológico dos governos norte-
americanos e brasileiros.
Embora a relação da alt-right com a negação do Holocausto seja mais dissimulada e ambígua, ela não é menos obsessiva. O sacrilégio do campo é um dos esportes olímpicos do movimento: os seus membros fazem vídeos políticos dentro do recinto, vendem produtos derivados de Auschwitz, atacam as páginas institucionais nas redes sociais e tumultuam as homenagens.
Não é por acaso que o maior evento da alt-right global, que Donald Trump descreveu como um encontro de “muito boas pessoas”, tinha como principal slogan: “próxima paragem Charleston, destino final, Auschwitz”.
Oportuna para a alt-right, a performance sórdida de Roberto Alvim às vésperas de uma das mais importantes datas da história global coloca o Itamaraty numa posição impossível. Como representar um governo mundialmente conhecido por divulgar vídeos institucionais de imitadores de Goebbels?
Um dilema profundamente insalubre para qualquer nação, mas ainda mais para o Brasil, terra de acolhimento de tantos sobreviventes do Holocausto.
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