O governo Édouard Philippe finalmente entregou os pontos. Depois do movimento social mais duradouro desde 1995, o primeiro-ministro de Emmanuel Macron aceitou neste final de semana abdicar do tópico mais sensível da reforma da Previdência: a instauração de uma idade mínima, 64 anos, para receber a aposentadoria plena.
A insistência nessa medida havia custado ao governo o apoio do sindicato reformista CFDT, principal fiador das negociações. A reforma da Previdência será provavelmente aprovada. Mas Macron continuará sendo visto como um presidente fantasmagórico.
Com exceção da idade mínima da aposentadoria, a reforma, baseada no modelo proposto anteriormente pelo Partido Socialista, é globalmente consensual. Ela tem como principal objetivo corrigir o caráter multissetorial do sistema previdenciário, desnecessariamente custoso e complexo.
Mas os franceses não perderam a oportunidade de sair às ruas contra um governo cronicamente impopular. Desde a emergência dos coletes amarelos, Macron vem apostando tudo na arena internacional, na qual se impôs como guardião do liberalismo.
No entanto, o cidadão médio, que não lê os elogios ao governo francês na imprensa internacional, hesita entre o desprezo e o ódio por um presidente que nunca se preocupou em estabelecer um vínculo carismático com a população. Não é a França que é irreformável; é Macron que nunca conseguiu ser aceito como chefe de Estado.
Panaceia dos progressistas brasileiros, o centro vem sofrendo sucessivas derrotas na Europa. Os liberais democratas britânicos foram liquidados num pleito que, ironicamente, eles próprios desencadearam. O Ciudadanos passou de futuro maior partido da Espanha a formação secundária em menos de dois anos. Na França, a centro-direita, oriunda do gaullismo, está prestes a dar o bote nos centristas de Macron, que alimentavam sonhos de hegemonia.
Mais grave ainda, a ideia de que o centro é o melhor antídoto aos populistas passou a ser questionada. Num movimento inesperado e marcante, a quase totalidade dos eleitores do Ciudadanos desertou para o recém-criado Vox, de extrema direita, no último pleito espanhol.
A crise do centro na Europa começou quando os seus líderes apostaram tudo na conquista do eleitorado conservador. Todos acreditavam que a ameaça populista e a debacle dos sociais democratas chegaria para fidelizar o eleitorado de esquerda.
Recentes desdobramentos indicam que os centristas brasileiros estão conscientes desse risco. A agenda com Flávio Dino sugere que a equipe de Luciano Huck sabe que a rejeição a Jair Bolsonaro não chegará para arregimentar o eleitorado de esquerda.
Uma intuição correta. O exemplo europeu mostra que a superação da fratura entre esquerda e centro deve ser o ponto de partida de qualquer projeto eleitoral progressista para 2022.
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