Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Agronegócio foi da ala dos passageiros para a cabine do avião brasileiro

Restrições da Covid-19 criam oportunidade para o Brasil fazer 'diplomacia da soja'

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O Centro-Oeste vive numa realidade paralela. Dos lobistas que acompanharam Bolsonaro na procissão ao STF, nenhum representava os interesses da região.

Os seus estados constam entre os mais eficientes na luta contra a pandemia, que tem no sul-mato-grossense Luiz Henrique Mandetta (DEM) umas de suas raras lideranças nacionais.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), personifica a ideia de que a defesa da quarentena não é uma questão de ideologia, mas de matéria cinzenta.

É possível relacionar o dinamismo político com a pujança da economia local, dominada pelo agronegócio.

Os primeiros meses da pandemia aceleraram a ultrapassagem da indústria petrolífera pelo agronegócio como motor das exportações, um marco na história econômica do país.

O recente desabamento do preço do barril do petróleo acabou com a fantasia de um Petro-Estado brasileiro, transformada em delírio coletivo no auge do pré-sal. Provavelmente a última esperança do Rio de Janeiro de romper com o seu destino machadiano de balneário decadente.

Enquanto isso, o Centro-Oeste segue ocupando o espaço deixado pelo Sudeste. Com o PIB atrelado ao da China, a região deve rebentar devido a uma nova tendência: as inevitáveis medidas de restrição das exportações nos países industrializados vão criar uma explosão na procura por alimentos no mundo em desenvolvimento.

Depois de ouvir Emmanuel Macron falar na importância da “soberania alimentar”, a ONU alertou para o risco de aumento dramático da fome.

Um chanceler digno desse nome posicionaria o Brasil na linha da frente da luta pela segurança alimentar. Entre muitas outras iniciativas, o Itamaraty abriria um novo capítulo nas relações com África, futuro celeiro da terra, com uma agenda de industrialização da agricultura.

Se a China dominou o primeiro tempo da pandemia com a “diplomacia das máscaras”, o Brasil teria uma palavra a dizer no segundo tempo com a “diplomacia da soja”, um gol fácil de “soft power”.

Mas o Brasil não tem um chanceler, apenas um sujeito que passa o dia conspirando contra inimigos nas redes sociais e contra a saúde dos brasileiros na ONU.

Numa ironia para o setor que mais entusiasticamente apoiou o candidato Bolsonaro, o agronegócio vai continuar crescendo a despeito do governo, responsável por uma dupla traição a seus interesses: a demonização do Brasil na arena ambiental e a destruição das relações com a China.

Os dois principais obstáculos ao crescimento do setor nos últimos anos, bem à frente da guerra comercial sino-americana.

Com o passe livre em 2022, o agronegócio terá um estatuto completamente diferente nas próximas eleições. O setor deverá ser incorporado na nova agenda diplomática, que terá como objetivo emergencial a reabilitação da imagem do Brasil.

Para isso, os seus gestores terão de se adequar a novas exigências internacionais de alimentação saudável e de respeito ao meio ambiente.

Os presidenciáveis não poderão se contentar com a cooptação incondicional do setor. Afinal, o agronegócio transitou da ala dos passageiros para a cabine do avião brasileiro.

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