Era maio de 2012, e François Hollande, recém-empossado presidente da República, embarcava em um avião Falcon para o seu primeiro encontro com Angela Merkel.
Então assessor do presidente, Emmanuel Macron assistiu a uma cena que o marcou para sempre: Hollande sinalizou à sua equipe que a renegociação do pacto de estabilidade europeu, uma importante bandeira de campanha, seria imediatamente enterrada para agradar a chanceler alemã.
Atingido por um raio, o avião foi obrigado a voltar para Paris. E a Presidência de Hollande nunca mais chegou a decolar. Macron, que se elegeu triunfalmente em 2017 depois de trair Hollande, sabia que não poderia entrar para a história como o quarto presidente francês a ser nocauteado por Merkel.
Durante os dois primeiros anos de seu mandato, os apelos a uma retomada do motor franco-alemão, principal catalisador da construção europeia desde os anos 1950, não encontraram eco do outro lado do rio Reno.
Cansada por mais de uma década no poder, Merkel enfrentava uma oposição cada vez mais radicalizada da direita, organizada em torno do ódio aos imigrantes e à política econômica da União Europeia. Enquanto isso, o psicodrama do brexit monopolizava as discussões em Bruxelas.
Mas a explosão da pandemia mudou o equilíbrio de forças entre França e Alemanha. No começo de março, Macron assumiu a liderança dos países latinos e, rompendo com a postura dos seus predecessores, partiu para o confronto direto com o governo alemão e os seus aliados mais próximos, entre eles a Holanda.
Depois de negociações difíceis em abril, Merkel cedeu e endossou um mecanismo que permite à União Europeia contrair um empréstimo de 500 bilhões de euros e distribuir a quantia em forma de créditos para os países europeus mais necessitados.
Trata-se do mais importante passo em direção à união fiscal desde o longínquo tratado de Lisboa assinado em 2007.
Esta primeira grande transformação estrutural da era da pandemia tem recebido pouca atenção no Brasil. Afinal, tanto a esquerda quanto a direita sempre insistiram em ler a história da União Europeia como a crônica de uma morte anunciada.
A esquerda insiste em caricaturar a UE como uma monstruosa superestrutura neoliberal. Para a direita bolsonarista, ela é a mais notável excrescência do globalismo desenfreado dos últimos 50 anos. Agora, todos terão de aceitar que ela veio para ficar.
Até porque os últimas batalhas políticas mostram que o debate continental está se articulando em torno de duas visões do projeto europeu.
Os movimentos de contestação como os "coletes amarelos" e os partidos populistas de Marine Le Pen e Matteo Salvini ou Viktor Órban abandonaram a saída da zona euro, uma bandeira histórica.
Agora, eles pretendem cooptar as instituições para fazer da Europa uma grande fortaleza das nações.
O oposto da Europa idealizada por Emmanuel Macron e Angela Merkel, multilateral, cosmopolita e onipresente nos assuntos globais.
O debate sobre a existência da UE está ultrapassado. Trata-se agora de pensar nos moldes da Europa do futuro.
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