Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Jair Bolsonaro é um Viktor Orbán da série B

Analogias entre brasileiro e autocratas mais bem-sucedidos parecem cada vez mais desproporcionais

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Depois de mais uma semana de acontecimentos tirados de um episódio de "Família Soprano", a aura de Jair Bolsonaro, que tanto intimidava no começo do mandato, nunca esteve tão abalada.

Declarar que o presidente será lembrado como uma gripezinha da democracia brasileira seria completamente prematuro. Mas as analogias entre Bolsonaro e os autocratas mais bem-sucedidos da nossa era parecem cada vez mais desproporcionais.

Jair Bolsonaro participa de cerimônia em escola militar no Rio de Janeiro
Jair Bolsonaro participa de cerimônia em escola militar no Rio de Janeiro - Ricardo Moraes - 6.mai.2019/Reuters

Tome-se por exemplo o caso do húngaro Viktor Orbán, idolatrado por Ernesto Araújo. Objeto de fascínio dos analistas políticos, o seu regime iliberal é frequentemente apontado como o destino natural do governo Bolsonaro.

Se esse for o caso, o caminho ainda é longo. Ativista político desde os anos 1980, Orbán preparou o fechamento do regime durante décadas.

Criou um partido que se tornou indissociável do Estado e um império midiático para instaurar um culto à sua personalidade e mobilizar a sociedade em torno do ódio aos imigrantes.

Transformou a luta anti-soviética numa cruzada eurocética e organizou uma frente regional, atrelando graúdos como Marine Le Pen e Matteo Salvini ao seu país de 10 milhões de habitantes.

Bolsonaro comanda um partido que cabe numa planilha de Excel, a Aliança pelo Brasil. Entra em parafuso com uma investigação sobre um punhado de blogueiros e uma horda de robôs iletrados.

Apoiou golpes em países vizinhos, mas nunca chegou perto de liderar o Mercosul. Precisa recorrer a truques de tiranos de araque da África do Norte e da América Central para contrabandear para o exterior o seu ministro mais assanhado.

Falando no fugitivo, a educação é o coração da batalha de todo aspirante a autocrata. Orbán desencadeou a sua revolução cultural com uma ofensiva contra a Universidade Centro-Europeia, fundada pelo seu inimigo designado George Soros.

A instituição era, segundo ele, o templo do cosmopolitismo que estava arrastando a Hungria à decadência moral. Hoje, seus professores continuam ensinando, mas a partir da Áustria.

Abraham Weintraub chegou para implementar o “Future-se”, um programa de destruição do Ministério da Educação travestido em reforma neoliberal. Entregou uma montanha de medidas provisórias e portarias mal escritas, muitas delas derrubadas na Justiça.

Pretendentes a autocratas fracassados e falidos não são necessariamente mais inofensivos e impopulares do que os seus modelos.

O vandalismo barroco de Weintraub pode provocar danos tão profundos como a meticulosa subversão praticada por Orbán e companhia. Mas são danos de natureza diferente, causados por pessoas com ambições e capacidades distintas.

Há um longo debate para saber se os homens fortes definem a história ou se a história avança à revelia deles. Hoje poucos discordam que Vladimir Putin, Narendra Modi e Viktor Orbán estão escrevendo o futuro das suas nações.

Quiçá Bolsonaro virá a ganhar um lugar nesse sinistro panteão. Mas por enquanto temos de deixar no ar a possibilidade de que uma parte dos brasileiros, na sua ânsia suicida de alçar ao poder um homem forte, tenha comprado gato por lebre.​​

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