Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Nas mãos dos gringos

Governo brasileiro multiplicou gestos de solidariedade a Donald Trump

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Desde 1964, a influência americana nas transições políticas no Brasil tem sido menor do que se costuma pensar. Se a pressão de Jimmy Carter ajudou a impulsionar a anistia, a ditadura militar colapsou sobretudo pela pressão de atores nacionais.

George W. Bush amparou a transição de Fernando Henrique Cardoso a Lula, na época considerada de alto risco para os Estados Unidos.

Para a desilusão dos defensores do complô contra o pré-sal, Barack Obama teve uma atitude discreta no processo de impeachment de Dilma Roussef.

Mas a personalização extrema das relações Brasil-Estados Unidos sob Jair Bolsonaro e Donald Trump pode ter mudado esse quadro.

Jair Bolsonaro e Donald Trump trocam aperto de mãos na Casa Branca - Jim Watson - 19.mar.19/AFP

Causa a impressão de que o governo brasileiro tenha multiplicado os gestos de solidariedade a Trump na semana em que o presidente americano pareceu mais enfraquecido.

Ernesto Araújo acionou os seus auxiliares da embaixada em Washington para produzir o único documento oficial de uma nação estrangeira relativizando os protestos antirracistas.

E o governo não hesitou em acompanhar os Estados Unidos na retirada da OMS, apesar de o próprio Trump ter elevado o Brasil a exemplo de descontrole da pandemia.

Esses gestos destrambelhados sugerem que Bolsonaro firmou um pacto suicida com Trump: ele está disposto a ir até as últimas consequências para ficar ao lado de seu patrono.

Trata-se de uma jogada radical mas calculada. Se Donald Trump vencer a reeleição depois de um processo de impeachment, uma pandemia e uma explosão social, o seu governo terá carta branca para embarcar em uma deriva autoritária, organizada em torno de milícias armadas, particularmente assanhadas na semana passada, e juristas defensores de uma interpretação monárquica da constituição.

A ascensão de um regime iliberal nos Estados Unidos derrubaria a ideia de que a democracia é o destino natural das sociedades capitalistas, o esteio das relações internacionais do pós-guerra. Libertado por Trump, Bolsonaro poderia executar a versão mais extremista do seu projeto para o Brasil.

Mas o alinhamento a Donald Trump também se explica pelo risco que representa uma vitória dos democratas. Bolsonaro estaria indefeso perante um Joe Biden eleito com a promessa de restaurar o multilateralismo e priorizar a luta contra o aquecimento global.

O brasileiro não dispõe dos infinitos petro-dólares que permitiram a Hugo Chávez amarrar os militares, nem da linha de defesa regional de Victor Orbán, idealizador do grupo de Visegrad, a oposição interna à União Europeia.

As implicações das eleições norte-americanas deveriam ser um tema central no debate sobre o impeachment de Bolsonaro. A sociedade brasileira precisa aguardar para abrir um processo dramático contra um presidente que pode sofrer um revés decisivo em poucos meses?

Ou, pelo contrário, o impeachment deve avançar agora porque a janela de oportunidade pode ser fechada em novembro?

Quando o cidadão do Wisconsin ou da Pensilvânia decidir o seu voto, ele também estará arbitrando o destino da democracia brasileira.

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