Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Coronavírus

O 'cloroquiner' está prestes a virar um 'antivaciner'

Para defensores da cloroquina, vacina será vista como mais uma suspeita histeria

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Verdadeira epidemia dentro da pandemia, o uso indiscriminado da cloroquina e da hidroxicloroquina pode estar na origem de milhares de mortes desnecessárias de pessoas desinformadas por um bando de fanáticos.

No começo, um culto marginal criado pelo infectologista falastrão Didier Raoult, a defesa da cloroquina foi elevada a política de Estado por Donald Trump e, mais intensamente, por Jair Bolsonaro.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, mostra caixa de hidroxicloroquina para apoiadores no Palácio do Alvorada, em Brasília
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, mostra caixa de hidroxicloroquina para apoiadores no Palácio do Alvorada, em Brasília - Evaristo Sá - 23.jul.20/AFP

Numa coincidência mórbida, a encenação da cura do presidente brasileiro graças ao remédio coincide com a publicação dos últimos estudos sobre a sua ineficácia contra o coronavírus.

Mas a verdade científica não resolve o problema. O movimento cloroquina deve ser entendido como uma excrescência do movimento antivacina, um caldeirão com origens históricas multisseculares que abriga anticapitalistas, hippies, religiosos, libertários, niilistas, homeopatas e reacionários.

O seu mito fundador contemporâneo é um artigo retratado da revista The Lancet de 1998, que sugeria a relação entre a vacina MMR e o autismo.

Animados pelo mesmo sentimento antissistema, os militantes antivacinas são apoiadores de primeira hora da nova direita populista.

Nas redes sociais, as teses antivacinas se misturam frequentemente com teorias da conspiração que extrapolam as tramas diplomáticas e financeiras por trás da indústria da saúde.

Entre muitos outros exemplos, o Movimento 5 Estrelas chegou ao poder na Itália prometendo o fim da obrigatoriedade das vacinas. Em 2018, a taxa de imunização na Itália passou a ser inferior à de países em desenvolvimento, e os casos de rubéola triplicaram na Europa.

No Brasil, o circo já está montado. Para os defensores da cloroquina e os negacionistas da pandemia, a Covid-19 tem tratamento, e a crise já está superada.

Logo, a chegada da vacina será vista como mais uma inócua e suspeita histeria. O fato de uma instituição ligada ao governo João Doria estar coordenando o estudo de uma vacina chinesa é material de primeira categoria para a máquina bolsonarista. O 'cloroquiner' está prestes a virar um 'antivaciner'.

Um fato novo pode interromper esse ciclo infernal. Os populistas de direita estão finalmente descobrindo os benefícios da luta contra a pandemia.

Depois de um começo desastroso, Boris Johnson está tentando vender o Reino Unido pós-brexit como uma potência global da biomedicina. Para salvar a sua reeleição, Trump vai apresentar o vídeo do primeiro norte-americano sendo vacinado como se fossem as primeiras imagens da aterrissagem na Lua.

Bolsonaro certamente aproveitaria a reconversão de seu herói da Casa Branca para operar uma reviravolta. Mas a sociedade brasileira não pode continuar dependendo dos humores do presidente americano.

A comunidade científica, o Congresso e o STF devem tomar medidas radicais para impedir que a farsa da cloroquina se repita com a vacina. O Brasil não pode se dar ao luxo de errar na cura como errou na doença.

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