Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Belarus, o fim da farsa

Para se manter, Lukachenko terá agora de conter os manifestantes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

As origens da atual crise política na Belarus que deve mudar de dimensão depois da eleição deste domingo (9) remontam a uma revolta contra a tentativa de recriar um imposto da era soviética em 2017.

Naquela altura, o regime de Aleksandr Lukachenko já começava a pagar o preço pelo seu distanciamento de Vladimir Putin, que abomina a insubordinação no que ele considera ser o quintal da Rússia.

Oposição em protesto em Belarus depois da eleição presidencial
Oposição em protesto em Belarus depois da eleição presidencial - Siarhei Leskiec/AFP

A Belarus é um dos seis países que emergiram das ruínas da União Soviética na Europa Ocidental em 1991.

Se Letônia, Lituânia e Estônia seguiram um modelo de desenvolvimento distinto, a ponto de a última se tornar a queridinha dos libertários, Moldova, Ucrânia e Belarus nunca conseguiram sair da encruzilhada geográfica e geopolítica.

Para os ocidentais, o arranjo farsesco de 1999, imposto ao decadente governo russo de Boris Ieltsin, era dificilmente melhorável. Desnuclearizada, a Belarus foi politicamente congelada e virou um vulgar posto de gasolina euroasiático, que compra e refina o petróleo russo vendido para a União Europeia.

As parcas notícias dessa inofensiva e melancólica zona cinzenta entre duas civilizações vinham de Svetlana Alexievich, a autora nobelizada da melhor autópsia da era soviética.

Tudo se complicou em 2013, quando a Rússia, atiçada pelo expansionismo da Otan, ocupou um pedaço da Ucrânia e instalou um protetorado militar na Moldova.

Conhecido por adorar atividades anedóticas, como se filmar cortando capim com Gérard Depardieu, Lukachenko teve de começar a trabalhar pela sua sobrevivência.

A partir de 2016, Minsk passou a obedecer às demandas da União Europeia e a receber visitas inesperadas de altos representantes dos EUA.

Putin retaliou em 2019, com a reabertura unilateral das negociações pela fusão entre a Rússia e a Belarus, um projeto engavetado desde 1999.

Para o autocrata russo, a incorporação do país irmão seria o regresso à ordem natural das coisas, um passo rumo à união euroasiática que ele sonha um dia presidir.

Para impedir a humilhação, Lukachenko reforçou a aproximação com a UE, chegando a permitir manifestações contra as ambições imperiais de Moscou.

O equilibrista acabou devorado pelo processo que ajudou a criar. A sua gestão bolsonaresca da pandemia, marcada por tiradas sobre os méritos da vodca, promoveu novas figuras da oposição, como Siarhei Tikhanovski, um blogueiro e ativista que percorreu o país recolhendo testemunhos.

Após ele ser preso e impedido de se candidatar, Svetlana Tikhanovskaia, sua esposa, entrou na corrida presidencial. Da noite para o dia, ela virou um símbolo nacional.

Rivais de circunstância, Lukachenko e Putin estão unidos pelo destino de suas ditaduras. Se a eleição provocar uma violenta repressão, o bielorrusso perderá o apoio da UE e terá de se alinhar novamente à Rússia.

Putin não terá outra alternativa senão estender a mão, porque a queda do regime seria um vexame ainda maior que a crise ucraniana.

Para a tristeza dos românticos, revoluções ocorrem porque os governantes cometem erros, não porque os opositores viram o jogo.

Para consolidar sua vitória, Lukachenko terá de conter os manifestantes. Os próximos dias dirão se trata-se de erro irreparável.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.