Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Na Bolívia, o suplício

Articulação de forças políticas será tão importante quanto resultado nas urnas

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Num ano de 2019 turbulento na América Latina, marcado pela escalada da crise na Venezuela e o fracasso do acordo UE-Mercosul, nada superou o escárnio do golpe ocorrido na Bolívia.

A controversa tentativa de reeleição de Evo Morales terminou numa tomada de poder pelas forças militares, que apoiaram a posse de Jeanine Añez, uma presidente autoproclamada.

Mulheres passam, na Bolívia, por centro de votação durante eleição presidencial no país
Mulheres passam, na Bolívia, por centro de votação durante eleição presidencial no país - Ueslei Marcelino/Reuters

Um movimento acompanhado por órgãos internacionais, como a OEA (Organização dos Estados Americanos), potências regionais, como o Brasil, e até ícones do progressismo global, como o também colunista desta Folha Yascha Mounk.

Pouco depois, veio o escândalo. Instituições idôneas demonstraram de forma inequívoca que, afinal, a fraude eleitoral cometida pelo governo de Evo Morales, pretexto usado pelos militares para derrubar o seu governo, não passava de uma fantasia.

Episódios de ruptura democrática costumam demorar tempo para serem completamente elucidados.

Historiadores passam décadas catando documentos para tentar comprovar uma versão dos fatos. Na Bolívia, no entanto, bastaram alguns meses para demonstrar o golpe de Estado, de forma que o primeiro governo da era pós-Evo acabou antes de começar.

O espetáculo de incompetência, corrupção e autoritarismo do último ano contribuiu para aumentar a rejeição do governo Añez. Feito impensável, os aspirantes a ditadores deixaram a franja mais conservadora da elite local com saudades da relativa paz social dos tempos de Evo.

Não surpreende, portanto, que o MAS se encontre novamente às portas do poder.

Como em toda democracia em colapso, as articulações entre as diferentes forças políticas dos próximos dias serão tão importantes como o resultado do voto popular deste domingo (18).

A interrupção do sistema de contagem rápida dos votos horas antes da ida às urnas deixa pensar que o regime está disposto a tudo para impedir a eleição do MAS.

No entanto, a geopolítica de outubro de 2020 é muito diferente da de novembro de 2019. Os EUA se encontram em plena transição, e a OEA e o governo brasileiro perderam a credibilidade necessária para pesar na política doméstica.

Nesse contexto, as forças militares não dispõem da mesma margem de manobra para repetir a artimanha de um ano atrás.

Mais uma ruptura do processo democrático seria inaceitável até para os modestos padrões latino-americanos. O MAS, que resistiu bravamente a incessantes manobras de intimidação e violência política nos últimos meses, terá como principal desafio mostrar que tem condições de superar o ciclo da liderança carismática de Evo.

A tentação de se agarrar ao chefe para se perpetuar no poder é uma patologia comum a formações da esquerda latino-americana que, em situações extremadas, pode levar a pesadelos como o do chavismo na Venezuela.

Para convencer os bolivianos e os observadores internacionais, o candidato do partido, Luis Arce, terá de mostrar liderança e autonomia nesse momento decisivo. Erradamente caricaturada como remota e exótica, a Bolívia, na realidade, reúne todas as peças do mosaico da América Latina.

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