Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Ruptura da diplomacia dos EUA acaba com papel de xerife do mundo

Confronto com China será maior legado do mandato de Donald Trump

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Para um presidente que se define como ultranacionalista, Donald Trump se mostrou sempre muito investido, e por vezes até fascinado, pelas tramas de política externa.

A sua atitude de desprezo pelas instituições internacionais, tratadas como burocracias decadentes, contrasta com a forma apaixonada com que lidou com outras agendas diplomáticas.

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Londonderry, no estado de New Hampshire
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Londonderry, no estado de New Hampshire - Leah Millis/Reuters

Aos trancos e barrancos, ele redesenhou os jogos de poder em certas regiões do mundo e redefiniu o debate da política externa nos Estados Unidos.

A forma como estabeleceu os termos do confronto entre os Estados Unidos e a China será, sem dúvida, o maior legado do seu primeiro mandato. Pouco importa que a guerra comercial seja inócua ou até contraproducente.

Feito notável, Trump deixou claro para o cidadão médio norte-americano a maneira pela qual os planos de Pequim impactam a sua existência. Daqui para a frente, a identidade dos EUA se construirá em função da China.

O Oriente Médio é outro espaço transformado pelas suas iniciativas. Washington encerrou o ciclo iniciado pela Primavera Árabe com a transferência de poder regional do Egito, transformado em prisão a céu aberto, e da Síria, arrasada pela guerra civil, para a Arábia Saudita e as petromonarquias do Golfo Pérsico.

Causa espanto o entusiasmo de alguns com o potencial transformador dessas novas lideranças, mais conhecidas por decepar jornalistas, perseguir mulheres e chacinar populações inteiras, como no Iêmen. Mas deve-se reconhecer que as relações entre Israel e seus vizinhos saíram da inércia depois de décadas.

Em outros casos, Trump destacou-se pela inconsequência ou desinteresse.

A diplomacia tela quente na Península da Coreia trouxe pouco mais do que manchetes de jornais sobre cimeiras tão bizarras como fúteis. Para a desilusão dos teóricos do imperialismo, Trump tratou a América Latina como uma terra insignificante. Até a questão da Venezuela, de alto potencial eleitoral, acabou terceirizada para o senador Marco Rubio e o secretário de Estado, Mike Pompeo.

O declínio da influência americana na Eurásia trouxe consequências inesperadas. A União Europeia acabou reforçando sua coesão interna, como se viu nas negociações pelo pacote econômico de luta contra a pandemia. Os charlatões do brexit, que viram ruir o sonho de uma grande aliança com os Estados Unidos, tentam se virar com Canadá e Austrália.

No mediterrâneo, os atores regionais já operam em modo pós-Otan, com a Turquia emergindo como a principal antagonista política e militar dos europeus depois da Rússia.

Muitos pensam que, numa eventual derrota de Donald Trump, a ordem internacional irá se reconstituir num estalar de dedos do novo presidente Joe Biden. Isso seria subestimar as consequências dos últimos quatro anos.

A ruptura da diplomacia dos Estados Unidos abriu um espaço inesperado para potências médias consolidarem a sua autoridade. A questão não é saber se os Estados Unidos conseguem retomar o protagonismo, mas se a figura de xerife do mundo, criada por Washington, voltará um dia a existir. ​

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