Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Ainda vivemos a infância das relações entre Brasília e Pequim

Enquanto parte da sociedade mergulhou no século chinês, seguimos gastando energia interpretando surtos de Dudu e Ernesto

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Da longa lista de inanidades que caracterizam a atuação do governo, poucas são tão danosas para os interesses nacionais como os ataques em direção à China.

As explicações para esse comportamento reincidente partem da premissa de que Pequim seria dependente da soja do Centro-Oeste e, por isso, não teria outra escolha senão tolerar os insultos de Brasília.

Uma caricatura da realidade, provavelmente formulada por um pensador de araque do bolsonarismo, que desenhou um paralelo equivocado com as relações entre Estados Unidos e Arábia Saudita, tornados mutuamente dependentes pela geopolítica do petróleo ao longo de quase um século.

Se o feito industrial do agronegócio brasileiro é dificilmente replicável, outros países estão criando nichos de qualidade competitivos. Nas próximas duas décadas, a China certamente continuará se alimentando de soja brasileira e se locomovendo com petróleo angolano. Porém, esse momento da longa história extrativista do Atlântico Sul um dia também se dissipará.

Em vez de repetir o erro do passado recente e se acomodar durante um ciclo econômico vantajoso, o Brasil deveria estar correndo para se adaptar à nova era. Ninguém duvida que dilemas éticos e industriais em torno da introdução de novas tecnologias como o 5G e a vacina Coronavac serão a norma em praticamente todos os setores da economia.

Mas é o contrário que está acontecendo. A despeito de algumas raras ilhas de qualidade nas universidades públicas e privadas, o estudo da China continua muito insuficiente.

O brilhantismo de vanguarda de mulheres como Tatiana Prazeres, Adriana Abdenur e Rosana Pinheiro Machado não chega para compensar a ausência gritante de especialistas. Jornais e televisões brasileiras enfrentam dificuldades em cobrir o país de modo sistemático.

Os poucos avanços chegam por golpes de gênio, como o Observa China, lançado recentemente por uma turma de jovens obstinados. No âmbito da política institucional, a discrepância entre o conhecimento dos servidores chineses e brasileiros é simplesmente vergonhosa.

Os diplomatas fluentes em mandarim contam-se em uma mão. Continuamos a anos de constituir a comunidade intelectual necessária para lidar com o nosso maior parceiro comercial.

A ignorância nos impede de preparar o futuro e explicar o presente. Afinal, um dos mais instigantes paradoxos do atual momento político é que o bolsonarismo, histericamente anti-Pequim, é um produto da transformação da economia pelos investimentos chineses.

De Londrina a Cuiabá, passando por Goiânia, uma parte significativa da sociedade brasileira mergulhou de cabeça no século chinês na última década.

Enquanto isso, continuamos gastando as nossas energias interpretando os surtos de Dudu e Ernesto, a diplomacia na sua forma mais primitiva. No campo das ideias, ainda vivemos a infância das relações Brasil-China.

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