Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Mundo leu

Outrora poderoso, Strauss-Kahn está no 1º túmulo do cemitério da cultura do estupro

Geração forjada pelo Me Too assistirá com horror ao relato de um episódio histórico e constatará que muito mudou desde então

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Para consumidores de doses cavalares de política, a minissérie "Quarto 2806: A Acusação", recém-lançada pela Netflix, é a história de um destino perdido.

Antes de ser engolido pelo mundialmente famoso caso do Sofitel em maio de 2011, Dominique Strauss-Kahn, então diretor do Fundo Monetário Internacional, não era apenas o favorito contra Nicolas Sarkozy nas presidenciais francesas.

Ele era a maior esperança da renovação da centro-esquerda e da União Europeia.

O ex-chefe do FMI, Dominique Strauss-Kahn, deixa apartamento em Paris
O ex-chefe do FMI, Dominique Strauss-Kahn, deixa apartamento em Paris - Gonzalo Fuentes - 12.jun.15/Reuters

DSK, como era conhecido, já alertava para a urgência de uma revolução tecno-industrial na Europa para fazer frente à emergência da China.

Sob o seu comando, os socialistas esperavam abandonar o neoliberalismo esgotado pela crise financeira de 2008 e deixar para trás as experiências traumáticas do social-democrata Gerhard Schröder na Alemanha, que arrasou os direitos trabalhistas antes de virar um lacaio de Vladimir Putin, e de Tony Blair, o trabalhista britânico enlouquecido pela guerra no Oriente Médio.

Fluente em alemão e conhecedor do norte da África, onde passou a infância, DSK teria, numa realidade alternativa, segurado a União Europeia, o Partido Socialista e o choque civilizatório entre a França e o islamismo.

Hoje os franceses talvez estivessem navegando nos mares plácidos do seu segundo mandato. François Hollande, que o sucedeu na corrida presidencial, continuaria sendo um burocrata de partido com o carisma de uma avestruz; Emmanuel Macron, um carregador de pastinha, e o movimento centrista, uma inalcançável fantasia discutida nas quadras de squash.

A explosão do escândalo DSK mostrou ao mundo que a sociedade precisava urgentemente ser renovada, mas não nos moldes imaginados pela sua classe política.

Por trás da capa de salvador das democracias liberais se escondia um predador sexual que usava o seu poder para caçar as suas vítimas e a sua fortuna para fugir da Justiça.

Os desdobramentos da sua agressão sexual a Nafissatou Diallo, tão bem detalhados na minissérie, abriram os olhos para a podridão de duas culturas antagonistas do Atlântico Norte.

Os tribunais morais americanos, que começaram celebrando a detenção de um poderoso como um sinal de igualdade na Justiça, acabaram humilhando e incriminando uma migrante analfabeta de um país africano.

Já na França, o culto à libertinagem em seu melhor estilo 1968 foi usado para encobrir a crueldade do tráfico sexual de mulheres.

Se uma boa parte da opinião pública preferiu se divertir com as teses de conspiração e romantizar a condição das mulheres que eram servidas como oferendas ao ogro DSK, ativistas transformaram o escândalo em uma causa universal.

No Brasil e no mundo, a nova geração forjada pelas lutas do movimento Me Too vai assistir com horror ao relato de um episódio histórico que aconteceu há menos de dez anos e constatar que muito mudou desde então.

DSK poderia ser lembrado como um dos grandes da política. Hoje, a sua sigla, que emanava tanto poder, está gravada no primeiro túmulo do cemitério da cultura do estupro e do assédio. Ver a minissérie "Quarto 2806" dá asco, mas nos deixa otimistas sobre o futuro.

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