Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Trem é pilar do novo projeto de país de Joe Biden

Organizadores da posse consideram que novo presidente use ferrovia para ir à capital

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Foi uma das batalhas mais acompanhadas da transição do governo Biden. Pete Buttigieg, a nova sensação do partido democrata, disputou e ganhou o cargo de secretário de Transporte contra um cacique do partido, Rahm Emmanuel, conhecido por seus lendários golpes baixos. Uma boa guerra entre a nova e velha política que girou em torno de um setor central para a formação dos Estados Unidos, mas tratado com descaso nos últimos 50 anos: o transporte ferroviário.

As motivações para o regresso das ferrovias são políticas e econômicas. A construção da rede ferroviária nacional, lançada por Abraham Lincoln em meados do século 19, está intimamente associada à reconstrução dos EUA depois da Guerra Civil. Joe Biden pretende recorrer a todos os artefatos da memória nacional para superar a polarização que ameaça o seu governo.

O então candidato à Presidência Joe Biden e sua mulher, Jill, cumprimentam eleitores em estação de trem em Ohio - Mike Segar - 30.set.20/Reuters

Para sublinhar o seu apreço pela companhia nacional de trens, o futuro presidente gosta de ser chamado de Amtrak Joe, um nome habilmente escolhido para mostrar o compromisso do político com a América trabalhadora. Organizadores da cerimônia de posse até citam a possibilidade de Biden pegar um trem para se deslocar até Washington.

Reabilitar a história ferroviária também é uma forma de enfrentar a oposição da sociedade a iniciativas do Estado. A partir dos anos 1960, os defensores da indústria automobilística passaram a caricaturar os trens como um meio de transporte típico dos regimes autoritários. As tentativas de renovação de linhas espetacularmente rentáveis como a conexão Washington-Nova York são travadas com argumentos ideológicos sobre a liberdade individual. Centenas de milhares de quilômetros de linhas estão simplesmente abandonados.

Mas depois de atingir um mínimo histórico nos anos 1980, o transporte ferroviário nos Estados Unidos voltou a crescer por ser mais rápido e econômico do que todas as alternativas. Agora, Biden e o seu futuro secretário Buttigieg viram no bom e velho caminho de ferro uma forma de criar um pacto social em torno de um novo projeto de Estado, centrado na sustentabilidade e na integração nacional.

A mudança de paradigma em Washington oferece uma oportunidade para países como o Brasil repensarem a sua relação com as ferrovias. Afinal, a instituição da sociedade do automóvel e do culto à energia fóssil a partir dos anos 1950 é um dos legados mais perenes e nocivos da ascensão dos Estados Unidos a comandante industrial do continente americano.

No Brasil a malha ferroviária criada para servir a economia extrativista no final do século 19 praticamente desapareceu e o trem passou a ser tratado como uma relíquia de museu ou uma piada de anões políticos. Iniciativas midiáticas como o trem-bala entre Campinas e São Paulo não passavam de vulgares projetos de vaidade.

Mas a inauguração iminente da Ferrovia Norte-Sul pode marcar um novo começo. Em plena revolução energética e crise climática, a indústria ferroviária surge como a melhor aliada de um novo projeto de governo. Os políticos brasileiros, sempre tão dispostos a copiar os Estados Unidos, não deveriam perder essa oportunidade.

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