Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Liberdade para Alizadeh

O abandono da causa da ativista iraniana, sob risco de deportação, seria mais um abalo às ideias de liberdade e universalismo no Brasil

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No dia em que a Folha comemorou seu centenário, ela tirou uma estrela do anonimato. Personagem digna de um romance de Victor Hugo, Mahnaz Alizadeh percorreu as grandes revoluções que marcaram a sociedade iraniana nas últimas duas décadas, documentou o heroísmo dos ativistas, e terminou arrastada por uma rede de tráfico humano até o Acre, onde o repórter Fabiano Maisonnave a encontrou abalada por uma traumática passagem pelo sistema carcerário e angustiada com o seu processo.

A ativista de direitos humanos e cinegrafista iraniana Mahnaz Alizadeh, em Rio Branco (AC) - Fabiano Maisonnave/Folhapress

Alizadeh, 35, traz nas suas malas um pedaço da história da juventude iraniana. Sua geração entra na política na virada do século, ainda na ressaca da experiência reformista conduzida por Mohammad Khatami anos 1990, tida como um fracasso. A campanha por um milhão de assinaturas pela abolição das leis discriminatórias, a primeira luta em que ela se envolveu, é lembrada como um momento revelador para o movimento das mulheres e um catalisador do processo social que culminou na “Revolução Verde” de 2009, quando o regime chegou mais perto de colapsar desde a sua fundação em 1979.

O governo respondeu com uma campanha de repressão que se intensificou ao longo do tempo.O ano de 2018, por exemplo, é descrito pela Anistia Internacional como o “Ano da Vergonha” depois da detenção de 7.000 ativistas. Documentarista com trajetória reconhecida no exterior, Alizadeh cometeu a ousadia de dar voz à advogada Nasrin Sotoudeh, uma referência na área dos direitos humanos com uma vida marcada por condenações absurdas e greves de fome. Alizadeh é o perfil da ativista que o regime busca neutralizar para silenciar ícones como Sotoudeh.

Perseguida por um regime reconhecido pela sua capacidade de atuar além das suas fronteiras, a geração de Alizadeh circula entre o Oriente Médio, a Europa e os Estados Unidos numa busca incessante e precária por proteção. O fato da sua deportação do Brasil ainda estar em cima da mesa demonstra a nossa falta de conhecimento sobre os riscos que correm os exilados iranianos. Recentemente, o ativista Ruhollah Zam, radicado na França desde 2011, foi atraído a Bagdá por agentes iranianos com a promessa de entrevistar uma alta autoridade iraquiana. Capturado e levado para Teerã, Zam acabou condenado por “corrupção na terra”, um dos crimes mais graves no país, e executado com toda pompa e circunstância no ano passado.

Alizadeh encontrou no Brasil um país em calamidade pandêmica e ambiental, uma sociedade civil atormentada pela explosão de violações e violências, e um governo olimpicamente indiferente ao seu sofrimento. Como tantos outros marcos republicanos, o regime brasileiro de migração está sendo desconstruído pelo governo Bolsonaro com tentativas de endurecimento e politização. Resta agora aos brasileiros se mostrarem à altura da sua trajetória. Todos devem se mobilizar para resolver a sua situação judicial, organizar a sua proteção, e preparar o seu futuro. O abandono da causa de Alizadeh seria mais um abalo às ideias de liberdade e universalismo no Brasil.

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