Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu África

O fim da Vale na África

Mineradora deixa o continente após fracassos em dois países

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Tinha tudo para ser uma empreitada transatlântica triunfal. Reforçada pela aquisição da Incro no Canadá em 2006, uma das maiores operações Sul-Norte, a Vale pretendia ligar o Brasil à China por uma cadeia de produção de minérios no continente africano.

No auge do superciclo de commodities, a empresa podia se apoiar na aliança entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu CEO, Roger Agnelli, duas figuras de trajetórias distintas que acreditavam no destino global do Brasil.

O projeto conheceu o seu epílogo nos últimos dois meses, com a saída da empresa brasileira do negócio de carvão em Moçambique e o desenlace do processo de Beny Steinmetz, um parceiro-chave da Vale na Guiné.

A Vale fracassou de formas diferentes nos dois países. A entrada em operação da mina moçambicana de carvão de Moatize, em 2011, era a realização de um sonho antigo que remontava aos tempos pré-privatização. Em clima de euforia, a Vale desembarcara em Maputo com a promessa de catapultar o PIB do país africano. Mas os ventos mudaram rapidamente de direção.

Logo da mineradora Vale em Brumadinho, Minas Gerais
Logo da mineradora Vale - Adriano Machado/Reuters

Armando Guebuza, poderoso presidente e fiel aliado dos brasileiros, envolveu-se em um escândalo de ocultação de dívidas ao FMI e foi obrigado a sair de cena quando Felipe Nyusi o sucedeu em 2014.

Exasperada com os inúmeros conflitos sociais provocados pela Vale e por outras operações patrocinadas pelo Brasil, como o desastroso ProSavana, a elite política local virou seus olhares para Cabo Delgado e as suas espantosas jazidas de gás natural.

Em plena transição na geopolítica da energia, a indústria de carvão virou exemplo de má governança dos recursos naturais. A saída da Vale, pouco depois da sua condenação a pagar cerca de R$ 1 milhão a camponeses moçambicanos, é um alívio para as autoridades.

A situação na Guiné é mais caricata. Em 2010, para assegurar o controle das reservas de bauxita, umas das mais competitivas do continente, a Vale entrou num acordo extravagante com um notório corsário do extrativismo africano, Beny Steinmetz.

Seguiram-se anos de uma espera Becketiana enquanto o presidente Alpha Condé, mestre em instrumentalizar os atores geopolíticos, prometia tudo para finalmente não entregar nada.

A Vale terminou correndo o mundo atrás do dinheiro levado por Steinmetz. Em janeiro deste ano, um tribunal suíço condenou o israelense a cinco anos de prisão e a uma multa milionária. Mas o desgaste atingiu a reputação da empresa. Para os outros players do continente, a Vale ficou conhecida como a gigante que se deixou enrolar por mercenários e políticos experientes.

A trajetória da Vale deve ser colocada em perspetiva com a da Petrobras e da Odebrecht, outras empresas que estão fazendo as malas da África. Juntas, elas construíram o projeto brasileiro no continente entre 1974 e 2014.

Um ciclo encerrado melancolicamente, que ficará na história como o momento em que o Brasil pleiteou o lugar de potência, mas morreu nas margens do outro lado do Atlântico.

É certo que um dia o Brasil voltará para a África. A questão é saber se os seus conglomerados vão tentar de novo embarcar em aventuras.

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