Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Ásia

O sonho de Shinzo Abe

Tal como no Brasil, Olimpíadas chegaram tarde demais no Japão

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O governo japonês venceu o primeiro teste: apesar das sondagens indicarem que uma maioria rejeitava a organização das Olimpíadas, a transmissão televisiva da cerimônia de abertura teve uma audiência recorde. Uma pequena vitória celebrada como um triunfo pelo premiê Yoshihide Suga, cuja principal missão é desmentir a ideia de que as Olimpíadas estão sendo organizadas contra a vontade dos japoneses.

O então primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe, vestido como o personagem Mario, no encerramento das Olimpíadas do Rio, em 2016 - Stoyan Nenov - 21.ago.2016/Reuters

Uma situação inesperada. As Olimpíadas foram trazidas para o Japão pela mão da figura dominante da política nacional neste século: Shinzo Abe, premiê de 2006 a 2007 e depois de 2012 a 2020. O seu objetivo era claro: reativar a memória das Olimpíadas de 1964, quando o Japão, em pleno milagre econômico, celebrou a sua ressurreição depois da Segunda Guerra Mundial.

Reeleito triunfalmente em 2012, o novo premiê prometia uma modernização revisionista: uma política econômica ousada, chamada posteriormente de Abenomics, ajudaria o Japão a relançar a sua indústria. No pano de fundo, Abe, herdeiro de uma dinastia política ultranacionalista, acertaria contas com o passado. Sob o seu comando, o país abandonaria o pacto pacifista construído no pós-guerra pelos Estados Unidos. Nas palavras de Abe, a organização das Olimpíadas de 2020 serviria para “mudar o estado de espírito declinista”.

O plano não correu como previsto. Num cenário semelhante ao do Brasil em 2016, as Olimpíadas de 2021 chegaram tarde demais, quando a sensação de regresso ao marasmo já havia se substituído à euforia dos anos de ouro. A pandemia, e a sua gestão caótica por um governo que nunca conseguiu encontrar o tom certo, reverteu todos os ganhos econômicos conquistados desde 2012.

Durante esse período, o Japão tampouco evoluiu nos grandes desafios dos nossos tempos. A política energética pró-carvão foi na contramão do mundo e o programa de paridade de gênero no mercado de trabalho, especialmente estratégico numa sociedade com taxas de natalidade em mínimos históricos e avessa a incentivos migratórios, trouxe resultados desalentadores. As inúmeras partidas de golfe que jogou com Donald Trump pouco ajudaram Abe a impedir o avanço da China. Símbolo maior do seu fracasso, a sua ideia de um Japão autônomo e militarista nunca suscitou adesão popular.

O corpo de Abe parece não ter resistido ao esgotamento do seu projeto político. No auge da pandemia, em agosto de 2020, quando já estava claro que o seu governo tinha perdido a sua aura, Abe se retirou por razões de saúde. Deixou no seu lugar o seu braço direito Suga, um político de bastidores, inexperiente em diplomacia, para comandar um Japão com fronteiras fechadas e estádios vazios.

O fim abrupto da era Abe deixou o país desorientado. Nas vésperas da cerimônia de abertura, os japoneses temiam tanto o vírus como o vexame de não estarem à altura das expectativas megalômanas criadas pelo ex-premiê. Mas esse mal-estar tem tudo para se dissipar durante a competição. O espírito olímpico supera todas as narrativas fabricadas por políticos, que nunca resistirão à tentação de amarrar o esporte ao destino nacional.

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