Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Visita de Sullivan a Brasília revela certezas e fraquezas de Washington

EUA precisarão ser muito mais ambiciosos e criativos para voltarem a pesar na América Latina

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A visita oficial mais importante do governo norte-americano ao Brasil desde a chegada ao poder de Joe Biden trouxe certezas sobre a posição americana perante o agravamento da crise democrática promovido por Jair Bolsonaro.

O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, fez questão de deixar público que toda tentativa de alterar o sistema eleitoral a pouco mais de um ano das presidenciais brasileiras seria vista por Washington como uma manobra para minar a confiança no pleito.

Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (à esq.) aperta a mão do assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, à direita
O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, em Brasília - - Reprodução Embaixada dos EUA no Twitter

Uma posição clara que só amplia o descolamento da realidade de Bolsonaro. Na sua audiência com Sullivan, o presidente achou pertinente repetir os argumentos golpistas de Donald Trump ao responsável pelo combate ao terrorismo doméstico do governo Biden.

Se Sullivan foi além do necessário na defesa dos fundamentos democráticos, sua intervenção em outras áreas deixou a desejar. A repetição da estratégia trumpista de aliciar o aparato militar do Estado com privilégios, neste caso com a entrada do Brasil como sócio militar da Otan, tem algo de constrangedor.

A possível entrada da chinesa Huawei no primeiro leilão de radiofrequências da tecnologia, principal motivação da viagem de Sullivan, é vista como uma etapa do projeto de integração estratégica China-Brasil que encontra forte adesão de setores diferenciados da sociedade brasileira. A tentativa de reverter esse processo oferecendo miudezas como vantagens corporativistas para os militares revela os limites da resposta do governo Biden às pretensões do rival asiático.

O episódio da Otan também teve implicações na diplomacia climática. Se o aprofundamento das relações entre o governo Biden e os governadores brasileiros entusiasma, a entrada em cena de Sullivan confirma a impressão de que a cooperação no meio ambiente está subordinada à questão geoestratégica. Uma situação insustentável a longo prazo.

A China está desenvolvendo um mercado de carbono, apontado por especialistas como o mais eficiente para a redução das emissões, que será o maior do mundo. Mais cedo ou mais tarde, ela vai disputar espaço na governança transnacional da Amazônia, e Washington não pode se limitar a replicar a estratégia do impasse utilizada na disputa pelo controle do 5G.

Falta aos Estados Unidos um novo projeto para a América Latina. De Cuba à Colômbia passando pelo Haiti, o governo Biden tem optado por uma estratégia de contenção de danos. Esteve ausente durante a pandemia, e agora parece incapaz de impedir o colapso democrático da Nicarágua e de El Salvador.

Acostumados a resolver quase todos os problemas regionais com métodos da guerra fria, os tecnocratas democratas parecem incapazes de aceitar a ideia de que os Estados Unidos precisam falar mais de indústria e inovação, e menos de segurança nacional, para fazer o contraponto à China.

De regresso a Washington depois de uma passagem pelo Brasil e pela Argentina, um dos países mais investidos na relação com os chineses, Sullivan deverá informar Biden de que os Estados Unidos precisarão ser muito mais ambiciosos e criativos para voltarem a pesar na América Latina.

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