Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu África Itamaraty

Angola vive o fim de sua perestroika

Brasil deve estar preparado para se posicionar do lado do progresso democrático no país africano

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Nos anos Bolsonaro, o debate sobre Angola no Brasil se resume às querelas missionárias animadas pelos bispos evangélicos da base governista. Mas o país, fundamental para a diplomacia brasileira em tempos normais, tem conhecido importantes transformações.

A chegada de João Lourenço ao poder em 2017 foi vivida como uma inesperada ruptura com os anos de autoritarismo e obscenidade financeira do interminável regime de José Eduardo dos Santos. Para a surpresa de todos, Lourenço, membro do MPLA, mesmo partido que o de seu predecessor, encampou uma agenda de abertura política e tomou medidas espetaculares, como a prisão de membros da família Dos Santos e a reorganização da estatal petrolífera Sonangol.

O presidente de Angola, João Lourenço, na Assembleia-Geral da ONU em Nova York - Timothy A. Clary/Pool via Reuters

Mas o conto da perestroika angolana era um mito criado pelo MPLA, mestre na arte de adaptar a narrativa nacional às expectativas da comunidade internacional para se eternizar no comando do país. A despeito dos avanços concretos em termos de governança, as medidas anticorrupção parecem ter sido calibradas para enfraquecer os oligarcas ligados ao ex-presidente Santos e consolidar o novo projeto de poder.

A implementação do plano de reformas acertado com o FMI é celebrada como um modelo de competência tecnocrática. Mas a economia real está em frangalhos. O fim do ciclo de ouro da indústria petrolífera dissipou a ilusão de um petroestado desenvolvimentista que pairava sobre o país.

A infraestrutura está decadente, os serviços públicos desmoronaram, a fome cresce nas regiões rurais e a população urbana vive no marasmo de um modelo econômico em via de extinção.

Ninguém esperava que o novo governo transformasse de ponta-cabeça, em anos de pandemia, um país refém de dogmas soviéticos e oligarquias góticas. Mas o período deixou claro que a reconversão econômica é incompatível com a ausência de alternância política. Lançada oficialmente na semana passada, a Frente Patriótica Unida representa o maior avanço da construção democrática angolana desde 2002.

O vento de mudança deixou a ala mais reacionária do MPLA desesperada. Os quadros mais autoritários da era Dos Santos regressaram ao jogo político, e o partido voltou a manifestar seus piores reflexos.

Logo depois da criação da Frente Patriótica Unida, o Tribunal Constitucional, capturado por membros do MPLA, abriu uma ofensiva legal para deslegitimar o principal líder da oposição, Adalberto Costa Júnior. Por enquanto, Lourenço parece resistir, mas a pressão do MPLA pelo fechamento do regime deve aumentar nos próximos meses.

Nesse cenário, as eleições presidenciais agendadas para outubro de 2022 podem ser um teste importante para o Brasil na África.

A inesperada alternância de poder na Zâmbia criou esperança na África austral, atormentada pelo impasse autoritário no Zimbábue, o colapso social na África do Sul e o desastre militar em Moçambique. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, em 1975. Ele deve estar preparado para, quando chegar a hora, se posicionar novamente do lado do progresso democrático.

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