Agora a Petrobras é a origem de todos os males do país. Em Brasília ou Roma, Bolsonaro a critica pelos lucros excessivos, a chama de "problema" e a ameaça de privatização.
A multiplicação de referências à Petrobras nas semanas que antecederam a COP26 não é anódina. O governo visivelmente acredita que a conjugação das crises climáticas e energéticas pode legitimar a agenda de privatização da companhia de petróleo.
A conjuntura do setor é complexa. Com o abandono dos fundos de pensão e as ações coordenadas de acionistas nos conselhos de administração, as petroleiras privadas estão sendo confrontadas a uma pressão inédita do ativismo climático.
Em agosto do ano passado, a Exxon, herdeira da Standard Oil, perdeu o seu lugar no Dow Jones Industrial Average pela primeira vez no século. Entre as estatais, as dificuldades crescentes para captar novos investimentos criam a sensação de que elas estão paralisadas pelo desafio da transição energética. Episódios recentes, como os leilões do pré-sal esvaziados, ampliaram o desespero.
Na COP26, tudo indica que a indústria fóssil será designada como o alvo a abater na próxima década. Perante tantas ameaças, o governo pretende apresentar a privatização da Petrobras como a única forma de rentabilizar os ativos e provocar um choque sistêmico na economia brasileira.
Mas esse novo embuste de Paulo Guedes está condenado ao fracasso. O capital humano e tecnológico das petrolíferas pode não ser facilmente adaptável ao desafio das energias renováveis, e as estatais são tradicionalmente avessas a investimentos fora dos seus setores de expertise.
Porém, isso está mudando, e, no mundo inteiro, da Colômbia à China, passando pelos países escandinavos, estatais petrolíferas estão pilotando a inovação tecnológica em energias renováveis, baterias e captura de carbono, enquanto administram a produção de petróleo e gerem o choque da redução de consumo energético no longo prazo.
As estatais também são estratégicas porque a indústria fóssil, infelizmente, continuará sendo o esteio das relações internacionais. Alguns cenários estimam que o mundo continuará utilizando 100 milhões de barris por dia em 2040.
A trajetória da China, a rainha da energia solar e do carvão, dos Estados Unidos, líder da campanha pelo clima apegado ao gás de xisto, ou da Alemanha, governada por ambientalistas, mas dependente do gás russo, mostram que a geopolítica da energia verde vai se somar à geopolítica da energia fóssil, dominante desde a revolução industrial.
No Brasil, todos os campos políticos precisam se adaptar à nova realidade. Os defensores de um Estado forte devem aposentar o slogan empoeirado do "Petróleo é nosso" e lançar um programa para o futuro da Petrobras além do petróleo. Os liberais têm de largar o fetiche da privatização e aceitar que seria um suicídio o Estado abdicar da única empresa com capacidade tecnológica e humana para organizar a transição energética nacional.
Até o relógio quebrado está certo uma vez por dia. Assim, Bolsonaro teve razão em colocar a Petrobras no centro do debate sobre a emergência climática.
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