Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Debates tiveram papel fundamental na eleição chilena, e Brasil deveria seguir exemplo

Sociedade brasileira deve obrigar os políticos a um escrutínio amplo no próximo ano

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A eleição de Gabriel Boric para presidente do Chile é tudo menos fruto do acaso. Sua chegada ao poder é o culminar do mais profundo processo de transformação política das Américas deste século.

Esse movimento começou nos protestos estudantis, em 2011, teve o seu ápice na eleição de uma nova Assembleia Constituinte, em 2020, e agora se consolida com a chegada ao poder de uma coalizão jovem, ampla e comprometida com as conquistas sociais da última década.

O presidente eleito, Gabriel Boric, à esq., e o candidato derrotado José Antonio Kast antes do início de debate eleitoral em Santiago
O presidente eleito, Gabriel Boric, à esq., e o candidato derrotado José Antonio Kast antes do início de debate eleitoral em Santiago - Eliz Gonzalez - 13.dez.21/Pool/AFP

Mas, como toda vitória, a deste domingo (19) também tem uma dose de milagre. O Chile é o país mais socialmente conservador da região, e a geração de Boric, apesar de ter acumulado vasta experiência parlamentar nos últimos anos, deixou a terra arrasada.

À imagem da icônica Michelle Bachelet, seus predecessores foram relegados a meros espectadores. O que levou o Chile a alçar ao poder um presidente com 35 anos e jeito de santa cecilier?

Os debates presidenciais parecem ter tido um papel fundamental na consolidação da candidatura. Boric atravessou com sucesso sessões exaustivas, nas quais foi questionado sobre pontos de seu programa. Seus principais assessores também foram submetidos a longas sabatinas nos mais diferentes formatos.

Os eventos televisivos também ajudaram a denunciar a candidatura de extrema direita de José Antonio Kast, que tentava se passar por um moderado. Enquanto Boric demonstrava a capacidade de governar, Kast lutava para esconder a violência da sua cultura política. Graças aos debates, ao menos em parte, os chilenos conseguiram superar a farsa dos dois extremos.

Os brasileiros não tiveram essa sorte em 2018. Uma grave agressão livrou Bolsonaro de muitos debates do primeiro e de todo o segundo turno. Depois, passou o mandato fugindo do contraditório e se expressando em ambientes hipercontrolados, como o cercadinho, peça-chave de sua estratégia de comunicação.

O resto da classe política se acostumou a fugir do escrutínio público. Ricardo Nunes, que a Folha mostrou na semana passada ser um leão de WhatsApp, passou toda a campanha de 2020 fugindo das câmeras. Sergio Moro sobe a voz quando instado a se posicionar sobre debates, mas só dialoga com interlocutores escolhidos a dedo.

Se os debates das prévias republicanas de 2016 ajudaram a promover Donald Trump, os das prévias democratas de 2020 demarcaram o território entre profissionais e aventureiros. Michael Bloomberg, o magnata do mercado financeiro, entrou na disputa presidencial com a velha promessa de derrotar os extremos. Ele gastou o PIB do Paraná em marqueteiros, mas colapsou em cinco minutos de contendas com a veterana senadora Elizabeth Warren.

Ninguém duvida que a ausência de Bolsonaro nos debates amputou a democracia de um instrumento único de exposição da sua incompetência e do seu extremismo. Para superar esse trauma, a sociedade brasileira deve obrigar os políticos a um escrutínio amplo no próximo ano.

Seguindo o exemplo do Chile, o debate deve se estender a todos os temas e sobretudo às áreas mais castigadas pela pandemia de Covid, como a ciência e a educação. Se as eleições presidenciais de 2022 são um teste para a democracia, a melhor forma de prepará-las é sentando o país na mesa para conversar.

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