Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Coronavírus tênis

Djokovic, o embaixador antivacina

Tenista não foi à Austrália para jogar, mas para fazer política

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A aventura australiana de Novak Djokovic é muitas vezes tratada como um imbróglio jurídico ou, na sua versão romântica, um embate de um atleta de convicções um pouco bizarras contra um regime democrático radicalizado pela pandemia. Na realidade, o caso deveria ser abordado como uma manifestação política apoiada pelos movimentos de extrema direita e antivacina.

São amplamente conhecidas as ligações perigosas de Djokovic nos Balcãs, uma região conflagrada pela agenda separatista dos nacionalistas sérvios na Bósnia. No fim de 2021, em plena escalada política, Djokovic foi confraternizar com Milan Jolovic, aliado do genocida condenado Ratko Mladic, e Milorad Dodik, uma importante liderança sérvia que classifica o massacre de Srebrenica de "mito fabricado".

Novak Djokovic durante treino em Melbourne, na Austrália
Novak Djokovic durante treino em Melbourne, na Austrália - Martin Keep - 14.jan.22/AFP

Em meados de 2020, o ativista Djokovic insistiu em organizar o torneio de exibição Adria Tour durante o encerramento do circuito oficial da ATP. O evento, que serviu de palanque para protestos contra as restrições sanitárias, esteve na origem de dezenas de contaminações entre público e jogadores.

As revelações da última semana sobre formulários supostamente mal preenchidos na fronteira, ou aparições públicas durante o período de isolamento devido a erros de comunicação, dão conta de um amadorismo que simplesmente não existe no universo do esporte de elite.

Maior tenista da sua geração com mais de US$ 220 milhões acumulados em prêmios, Djokovic é uma multinacional com uma armada de publicitários e advogados a seu dispor. Todos eles sabiam que qualquer falcatrua no teste de Covid seria descoberta, que a deportação era o cenário mais provável e que esse episódio teria um impacto incomensurável nas receitas publicitárias.

Mas Djokovic não foi à Austrália só para jogar tênis, ele também foi fazer política. Ele queria que o seu julgamento se tornasse um referendo sobre as liberdades individuais.

Melbourne, onde cinco milhões de moradores se submeteram a um total de seis lockdowns totalizando 262 dias, entre março de 2020 e outubro de 2021, era o palco ideal. O governo é criticado internamente pela sua gestão atabalhoada da pandemia. O movimento antivacina é particularmente ativo e complexo, misturando nacionalistas brancos e povos originários traumatizados por séculos de violência médica e legal colonial. A controvérsia em torno do sérvio tinha tudo para virar um grande debate nacional.

Durante todo o processo, Djokovic agiu como se estivesse disputando o primeiro set. O seu pai e ideólogo o elevou a "novo Spartacus" e "líder do mundo libertário". O presidente sérvio se insurgiu contra um "escândalo" depois da decisão final. A extrema direita global, começando pela bolsonarista, já manifestou seu apoio e admiração.

Djokovic sabe que poderá contar com apoiadores no mundo inteiro para desafiar as regras sanitárias nos Opens de Indian Wells, Roland-Garros e Wimbledon. A sua carreira de tenista pode ter chegado ao fim, mas a de embaixador antivacina está apenas começando.

Erramos: o texto foi alterado

A capital da Austrália é Camberra, não Melbourne, como dizia versão anterior da coluna. O texto foi corrigido.

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