Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Rússia

Crise na Ucrânia expõe contradições em visões sobre o imperialismo

Conflito opõe argumentos de Moscou contra a ampliação da Otan a suas ambições sobre Kiev

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Os grandes Elio Gaspari e Janio de Freitas discutiram em suas colunas na Folha as tensões militares na Ucrânia. Enquanto o primeiro situa as origens no conflito nas ambições territoriais da Otan, o segundo imputa ao governo Biden a responsabilidade pela crise.

Ambos poderiam ter mencionado que Putin estacionou mais de 150 mil militares na fronteira e nunca saiu da lógica dos ultimatos e das ameaças. A vontade de descrever a Rússia como um país que está apenas reagindo a uma agressão deixa a impressão de que os colunistas partem da premissa que só tem um império nessa briga.

Manifestante exibe cartaz com o rosto do presidente russo Vladimir Putin e a frase 'tire suas mãos da Ucrânia' em ato em Berlim - Stefanie Loss - 19.fev.22/AFP

As análises sobre as origens do conflito são mais consensuais do que a guerra de informação deixa entender. Ninguém questiona que a Otan extrapolou seus limites territoriais e geopolíticos aproveitando-se de um momento de fraqueza da Rússia em plena transição pós-soviética. Putin, que chegou ao poder explorando a humilhação civilizacional, é uma cria da destruição econômica provocada pelo consenso de Washington nos anos 1990.

Também é difícil questionar o desejo da Ucrânia de buscar outro destino histórico mais afastado de Moscou. Embora o país esteja intimamente associado à União Soviética, o nacionalismo ucraniano já era tão importante em 1920 que os bolcheviques foram obrigados a acomodar o Estado ucraniano dentro de um sistema federal.

Em 1994, Kiev assinou o Memorando de Budapeste e abdicou de suas armas nucleares em troca de uma promessa nunca cumprida de respeito à integridade de suas fronteiras. Nas décadas que se seguiram, foi um dos países que menos cresceu no mundo, junto com a República Democrática do Congo. Nesse contexto, a vontade crescente de sua população em aderir ao projeto europeu, que pacificou um continente assolado por guerras, não pode ser desprezada.

O conflito atual pode ser resumido à contradição impossível entre os argumentos anti-imperialistas da Rússia contra a Otan e suas ambições imperiais em relação à Ucrânia.

Moscou tem o direito de exigir que Kiev não entre na Otan em nome da segurança de suas fronteiras. Não pode, no entanto, invocar o passado soviético para impedir que os ucranianos aprofundem suas relações com a União Europeia. Esse argumento é tão perverso como o das potências europeias que recorrem à história colonial para explicar a sua preeminência em países africanos.

Aqueles que defendem, com toda a justiça, o direito de países da América Latina de se emanciparem da influência dos Estados Unidos também devem, em nome da coerência, aplicar a lógica da autodeterminação à Ucrânia.

Se o aprofundamento da união entre a Rússia e a China contra a Otan, formalizada no começo do mês, aponta um caminho para um mundo multipolar, o ensaio de Putin publicado no ano passado elencando as razões para a investida da Rússia na Ucrânia é uma falácia histórica construída para justificar a invasão de um país soberano.

O verdadeiro anti-imperialista não escolhe contra qual imperialismo quer se opor; ele é contra todo e qualquer imperialismo.

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