A reeleição de Emmanuel Macron é a última derrota da extrema direita francesa no seu modelo tradicional. O segundo turno provou, de uma vez por todas, que a legitimidade política de Marine Le Pen não deriva do seu carisma ou da sua inteligência, mas de sua dinastia, que representa a corrente racista e negacionista francesa desde o pós-guerra.
Depois de três derrotas, ela dificilmente terá condições para liderar o que aparenta ser um processo de transição da ultradireita, com a integração dos elementos mais radicais do lado tradicional desse campo e a ascensão de líderes perturbadores como Eric Zemmour. A marca Le Pen pode continuar no jogo eleitoral por meio da sobrinha de Marine, a jovem estrela Marion Maréchal, mas dificilmente a família manterá o direito quase taumatúrgico de disputar as presidenciais em nome do seu bloco ideológico.
Macron pode se orgulhar de ser o primeiro presidente reeleito em 20 anos. Seus predecessores dificilmente teriam sobrevivido a um mandato recheado de revolta, pandemia e guerra.
Sob seu comando, a França deixou de ser o "homem doente da Europa", impossível de reformar e em desemprego permanente. A vitalidade econômica alemã não parece mais uma miragem inalcançável e a Guerra da Ucrânia confirmou a posição de Paris como capital geopolítica da União Europeia. Iniciativas memoriais sobre a cumplicidade francesa no genocídio de Ruanda e a guerra da Argélia estão virando uma página na história da França.
A questão é se o rei vai ter um reinado. Organizado em torno do projeto individual do presidente, o República Em Marcha terá dificuldades em designar um sucessor ao seu criador e idealizador intelectual. A França Insubmissa, coalizão de diferentes eleitorados, dificilmente resistirá à partida de seu líder, Jean-Luc Mélenchon.
Nesse contexto, as tradicionais conversas pós-presidenciais sobre as estratégias dos partidos e o destino das lideranças não fazem muito sentido. A chance é alta que, daqui a cinco anos, nenhum dos figurões da paisagem política francesa esteja mais aqui.
Esse momento de transição torna as eleições para o Parlamento francês, que vão se realizar em junho, as mais incertas da história. Delas dependem a viabilidade do futuro governo Macron, que provavelmente terá de compor uma maioria acrobática através de alianças com o que resta de ecologistas, conservadores e socialistas.
Acompanhada por uma audiência mundial e corretamente apresentada como um momento de verdade para a Europa, a eleição francesa também será lembrada pela mobilização internacional. A mensagem de apoio a Macron da parte de Lula na véspera do segundo turno coincidiu com manifestações públicas, e algo inéditas, de governantes de Espanha, Alemanha, Portugal e Itália.
Num momento em que Jair Bolsonaro (PL) voltou a flertar com o vandalismo eleitoral, o episódio cria um precedente importante para o Brasil. A democracia está fragilizada, mas a eleição francesa mostra que a Europa e a América Latina ainda estão dispostas a lutar por ela.
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