Enquanto o Brasil desaparece da diplomacia mundial, afogado no mar de mentiras de Jair Bolsonaro, a comunidade internacional começava a responder ao caos geopolítico provocado pela invasão da Ucrânia.
Liderada por uma ONU mais ativa e uma Turquia fortalecida pelo seu papel regional estratégico, os representantes ucranianos e russos assinaram, na sexta (22), o primeiro acordo visando a suspensão do bloqueio do Mar Negro, um dos principais vetores da escalada dos preços de alimentos que derrubou governos, levou ao endurecimento de políticas monetárias e ampliou o risco de uma recessão global.
Se os ministros da Defesa russo e o de Infraestrutura ucraniano se recusaram a se sentar na mesma mesa, a realidade é que Kiev e Moscou negociaram ativamente e assinaram documentos idênticos.
De caráter temporário, o pacto tem como objetivo permitir a circulação de navios paralisados nos portos ucranianos desde o começo do conflito e liberar os estoques de grãos. Em contrapartida, será facilitada a circulação marítima russa, severamente abalada pelas sanções. O acordo seria renovado automaticamente daqui a quatro meses em caso de sucesso, o que está longe de ser garantido.
Embora precário e permanentemente ameaçado pela volatilidade da guerra, o acordo entra na história como o primeiro esforço concreto para a reconstrução das relações entre Ocidente e Oriente no mundo pós-Ucrânia. Todas as partes parecem reconhecer que a disputa pela soberania territorial é irreconciliável no momento atual. A diplomacia deixou de lado a resolução do conflito e passou a buscar dispositivos para assegurar a cooperação internacional enquanto a situação evolui no campo de batalha.
A equipe diplomática de Lula parece ter sentido a mudança de ventos. Mais do que conter a histeria bolsonarista, a articulação de uma reunião do candidato com os embaixadores do Brics, mencionada nesta Folha, busca posicionar um futuro governo brasileiro nesse processo. Comandado por um governo funcional, o Brasil pode desempenhar, à escala do Sul Global, o papel que a Turquia teve nesta semana.
O arranjo dos grãos é apenas o primeiro da diplomacia das urgências que deve se tornar cada vez mais comum nos próximos meses. O próximo grande teste será a COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, quando Washington e Pequim deverão mostrar se estão dispostos a prosseguir com o esforço contra o aquecimento global.
Em seguida, o mundo vai parar para ver como Europa e Rússia se comportarão com a chegada do inverno. Com base no acordo do Mar Negro, muitos vão defender uma negociação para impedir a interrupção total de cooperação energética. Caso contrário, as capitais europeias estarão ameaçadas pela instabilidade social, e Moscou terá de enfrentar um segundo choque econômico após aquele provocado pelas sanções.
A diplomacia das urgências não é sobre pragmatismo comercial, mas sobre a necessidade de impedir que os conflitos entre superpotências deixem ainda mais vulnerável a população mundial.
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