É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.
Em Nova York, diplomacia brasileira lida com bullying de Trump
Li Muzi/Xinhua | ||
Michel Temer discursa na Assembleia Geral da ONU |
A Venezuela é uma questão irritante nas relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos há mais de 20 anos. A cada crise em Caracas, Washington pede algum tipo de ação a Brasília. Via de regra, Brasília desconversa e, em consequência, Washington se aborrece e a relação esfria.
Foi isso que ocorreu quando Bill Clinton pediu a FHC uma "atitude firme" face a Hugo Chávez. O tucano tentou convencer Chávez a moderar o tom. Entretanto, insatisfeito, Clinton demandou mais. FHC desabafou com seus colaboradores: "Mas o que ele acha?! Eu não tenho meios para influenciar o Chávez".
A mesma coisa ocorreu no governo do PT. "Vocês precisam fazer alguma coisa em relação à Venezuela", disse George W. Bush. Lula retorquiu com a longa lista de iniciativas que, na perspectiva dele, ajudariam a evitar a radicalização de Caracas.
Sem se convencer, os Estados Unidos insistiram. Lula não aguentou: quebrando o protocolo, telefonou para Bush para reclamar. "Cada vez que vocês falam mal do Chávez, cada vez que vocês pedem à gente para falar mal dele, ele se radicaliza mais".
Nesta semana, viu-se algo similar em Nova York, quando Donald Trump soltou o verbo contra o chavismo. Temer saiu pela tangente: Sanções, disse o presidente, só se forem "verbais". O discurso do presidente brasileiro na ONU —o melhor dos últimos anos— ilustra como a diplomacia brasileira lida com bullies.
Temer esquiva-se da pressão americana porque, como FHC e Lula aprenderam antes dele, moldar o comportamento de Caracas é missão impossível. Além disso, sabe-se que a postura americana, na realidade, é bem mais acomodatícia do que sugere a retórica de Trump.
As palavras exaltadas do presidente americano são um jogo de política interna para aplacar aqueles senadores que obtêm vantagens eleitorais ao espernear contra o chavismo. Nos bastidores, o governo americano já precificou o calote venezuelano que se aproxima, e tomou cuidado para não aplicar sanções contra Tareck El Aissami ou Diosdado Cabello, gente forte do regime venezuelano.
O problema é que a retórica cria sua própria realidade. Se a situação em Caracas piorar, haverá um risco real de fricção entre a Casa Branca e o Planalto, reduzindo o já pequeno espaço de manobra de que o Brasil dispõe para lidar com a Venezuela, seu novo grande problema de segurança nacional.
Soma-se a isso o esfriamento inevitável da relação com os americanos, agora que as malas de Geddel e a evidência que embasa as denúncias de organização criminosa e obstrução da Justiça contra o presidente contaminam todo o ambiente. É uma receita para problemas.
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