Matias Spektor

Professor de relações internacionais na FGV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Matias Spektor
Descrição de chapéu

Escolha de Trump para a CIA terá impacto sobre o Brasil

Uso da força por parte dos agentes do Estado está na ordem do dia

Gina Haspel, nomeada por Donald Trump para assumir o comando da CIA
Gina Haspel, nomeada por Donald Trump para assumir o comando da CIA - AP

Donald Trump acaba de nomear Gina Haspel para dirigir a CIA, uma decisão com repercussão direta sobre o Brasil.

Haspel comandou um centro clandestino de tortura no auge da chamada “guerra ao terror” do governo de George W. Bush. Sob sua responsabilidade, suspeitos de terrorismo foram submetidos a práticas tais como afogamento, sufocamento forçado, aplicação de drogas, privação de sono e pau de arara. 

À época, o endosso da Casa Branca a esse tipo de conduta contribuiu para legitimar a tortura como instrumento de política pública em todo o planeta.

No Brasil, a discussão àquela época concentrou-se no caso da Febem, a autarquia do estado de São Paulo responsável pela custódia de jovens infratores. Uma série de investigações revelou o uso sistemático da tortura em suas instalações e gerou uma condenação por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos

No processo, acumulou-se evidência de que o Tribunal de Justiça de São Paulo barrava processos do Ministério Público que utilizassem palavras como tortura e maus-tratos. O governo estadual trocou o nome da Febem por Fundação Casa, uma medida para inglês ver.

A legitimidade da tortura nos Estados Unidos, porém, entrou em declínio com rapidez. Pesquisas em meados da década de 2000 revelaram que o uso da tortura é inócuo para extrair informações sensíveis de detentos, além de ser contraproducente no combate ao terrorismo internacional. Acuada, a CIA ordenou que Haspel destruísse as fitas gravadas durante as sessões de tortura conduzidas sob seu comando.

Uma vez eleito, Barack Obama tornou tais práticas ilegais. Agora, a nomeação de Haspel confirma qual será a lógica do jogo no governo Donald Trump. Quem defende a tortura como prática legítima ganhou fôlego. E, devido à capacidade que o ordenamento jurídico americano tem de afetar o arcabouço normativo global, a decisão terá reverberações por todo o planeta.

Poucos países encontram-se em posição mais central nessa história do que o Brasil. O uso da força por parte dos agentes do Estado está na ordem do dia, devido à pré-candidatura de Jair Bolsonaro e à intervenção militar de Michel Temer no Rio de Janeiro.

“Se mortes houver, a culpa é [dos criminosos], e não dos nossos soldados”, escreveu nesta Folha, na última terça-feira (13), o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto de Advogados de São Paulo, Ricardo Sayeg. “Que não venham no futuro os hipócritas dos ‘direitos dos manos’ exigir punição de nossos soldados”.

Nossa capacidade de fazer vista grossa a abusos será influenciada em cheio pelo ambiente global. O mundo de Trump também é aqui.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.