Matias Spektor

Professor de relações internacionais na FGV.

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Matias Spektor
Descrição de chapéu

Temer baterá o martelo sobre a próxima intervenção no exterior

Presidente decidirá se envia ou não soldados brasileiros à República Centro-Africana

Soldados camaroneses de missão da paz da ONU patrulham vilarejo na República Centro-Africana
Soldados camaroneses de missão da paz da ONU patrulham vilarejo na República Centro-Africana - Charles Bouessel/AFP

Michel Temer está prestes a tomar a decisão de política externa mais sensível de seu governo: o envio ou não de soldados brasileiros à República Centro-Africana.

Embora o interesse estratégico do Brasil naquele país seja próximo a zero, Temer está sob pressão cerrada para autorizar o emprego da força.

A coalizão em prol do embarque das tropas é dominada pelo Estado-Maior das Forças Armadas. A missão na África garantiria a eles uma dotação orçamentária adicional de R$ 450 milhões apenas no primeiro ano, criando novos negócios para os setores público e privado por meio da compra de blindados e outros equipamentos. No longo prazo, a missão garantiria fluxo financeiro contínuo.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pressiona o presidente a embarcar na proposta porque essa missão de paz é a mais difícil do planeta, e as tropas brasileiras são mais bem equipadas e treinadas do que as africanas. Guterres precisa mostrar serviço, e a ONU entregaria ao Brasil o comando da missão.

Se Temer optasse pelo envio da tropa, o Congresso Nacional aprovaria a missão a toque de caixa. Os militares já viraram cabo eleitoral de parlamentares que, hoje desacreditados, lutam para garantir a própria reeleição. De quebra, o Estado-Maior possui um dos lobbies mais eficazes da Esplanada dos Ministérios. Não à toa, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, prometeu a Guterres uma votação rápida e certeira.

Embalados numa intervenção humanitária por interesses corporativos, entretanto, os chefes militares e os congressistas correriam o risco de subestimar, ignorar ou fazer vista grossa para os problemas envolvidos na empreitada. Como a República Centro-Africana não tem perspectivas e está numa região marcada por choques religiosos e atividade terrorista, a operação imporia risco inédito à vida e à reputação de nossa tropa.

Nos últimos meses, Temer recebeu estudos, sugestões e documentos de consenso mínimo entre ministérios. Só que o material deixa muito a desejar. Não há testes de vulnerabilidade ou sistemas para incorporar as lições extraídas da missão no Haiti. Tampouco há cenários alternativos, identificação precisa de tendências ou uma estratégia clara de saída.

Sem esses insumos, Temer não tem como barganhar com o Estado-Maior, apesar de a ONU ter 14 operações de paz em andamento, algumas das quais serviriam bem aos propósitos das Forças Armadas, com risco menor para a tropa. Há alternativas para o Brasil contribuir para a paz e a segurança internacionais.

Diante da possibilidade real de mortes brasileiras, o presidente deveria munir-se dos melhores instrumentos antes de avançar.

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