Matias Spektor

Professor de relações internacionais na FGV.

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Matias Spektor

Legado de Temer em política externa é melhor que o esperado

Presidente entendeu que o país ganha força quando usa os mecanismos de governança global

O presidente da República, Michel Temer, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente da República, Michel Temer, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 17.out.18/Reuters

Chegou a hora de avaliar os legados de Michel Temer em política externa.

Assim que assumiu, Temer trabalhou para suspender a Venezuela do Mercosul. O fez sem ceder à radicalização da direita sul-americana: enquanto pôde, manteve seu embaixador em Caracas e, quando lhe propuseram encaminhar Nicolás Maduro à Corte Penal Internacional, declinou do atalho.

Temer empurrou o Mercosul na direção do livre mercado, negociou acordos com Canadá e Colômbia, Aliança do Pacífico e União Europeia. Mesmo quando não obteve vitória, criou movimento.

Ele ainda bancou o primeiro esforço de coordenação de segurança pública no cone sul, reconhecendo nossa maior ameaça transnacional. Ratificou o Acordo de Paris de mudança do clima, pediu entrada na OCDE e pôs a primeira assinatura no Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares. Ele entendeu que o Brasil não consegue resolver seus problemas sozinho.

O emedebista intensificou a relação com Israel, sem abandonar a postura tradicional de equilíbrio brasileiro no Oriente Médio. No Itamaraty, seu governo iniciou uma reforma administrativa necessária, assim como tentativa séria de planejamento diplomático.

Ao nomear dois senadores tucanos de São Paulo para a pasta de Exteriores, relembrou ao país que não há regra de ferro obrigando os governos a empossar profissionais de carreira.

Seu teste mais ácido foi a crise dos migrantes e refugiados venezuelanos. O Brasil não estava preparado para recebê-los, e Temer bebeu das melhores experiências internacionais para montar uma política de acolhimento tão inteligente quanto exitosa. Quem pretendia fechar a fronteira levou uma tungada. 

Nada disso é para endeusar o sujeito. Sua política externa de foi tão capturada quanto a de seus antecessores: dos escândalos de corrupção aos mimos à turma do trabalho escravo, da submissão ao lobby das montadoras aos entraves à cooperação jurídica da Lava Jato, ele representa bem a classe política. 

Apesar disso, seu legado diplomático é positivo. Temer entendeu que o Brasil ganha força quando utiliza os mecanismos de governança global em benefício próprio. 

Quando o mundo sofre mais competição geopolítica é quando mais precisamos desses instrumentos. Por isso, vale a leitura de “O Brasil no Mundo: Abertura e Responsabilidade”, seleção recém-publicada de seus discursos sobre política externa. 

No geral, coletâneas como essa são inócuas. Não aqui. Afinal de contas, a diplomacia brasileira vive um de seus momentos mais dramáticos. 

Diante das promessas e medidas mais esdrúxulas do governo eleito para a área externa, esses textos de Temer são um lembrete de que fazer besteira nas relações internacionais não é destino, mas escolha.

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