Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer
Descrição de chapéu Globo series novela

Globo hesita em abraçar as séries

Sucesso de novelas ruins ajuda a explicar por que a emissora não acha espaço para produções ambiciosas

Na comemoração dos 30 anos da televisão no Brasil, em setembro de 1980, o caderno Folhetim, um precursor da Ilustríssima, dedicou uma edição inteira ao assunto. O editor Oswaldo Mendes justificou a publicação observando que a TV "continua à espera de um estudo mais sistemático que exclua tantos os comprometimentos diretos quanto a crítica apenas azeda, que nega ao veículo qualquer importância, seja cultural, seja política".

cena da série 'Carcereiros', da Globo
'Carcereiros', série da Globo, produzida primeiro para a GloboPlay, mostra sistema penitenciário com depoimentos reais - Marcelo Tabach/Divulgação

Entre críticas sérias e outras preconceituosas que se espalham pelas 16 páginas, Dias Gomes (1922-1999) e Janete Clair (1925-1983) aparecem com destaque, defendendo a ideia de que "a novela foi a única coisa que a televisão brasileira inventou com as características de um produto de televisão, com uma linguagem própria para a tevê".

Com a ressalva de que a telenovela não é uma invenção nativa, mas ganhou aqui uma feição própria, única, a avaliação do casal de autores segue verdadeira, para o bem e para o mal. Perto dos 70 anos, a serem festejados em 2020, é surpreendente observar como a TV brasileira permanece dependente deste tipo de produção.

As quatro principais emissoras de TV aberta exibem hoje, entre o período da tarde e o horário nobre, 14 produções, entre reprises e tramas originais. A Globo, líder de mercado, é também a número um neste quesito, com cinco novelas no ar atualmente.

É verdade que a emissora, nos últimos anos, determinou o investimento em séries, mas não encontra espaço em sua grade para escoar parte da própria produção. É o caso, por exemplo de "Carcereiros", pronta desde 2017 e com uma segunda temporada já encomendada, que segue inédita na TV, mas disponível há nove meses no seu serviço de streaming.

Duas séries, em fase de produção, "Assédio" e "Ilha de Ferro", estão sendo anunciadas como produtos destinados não à TV, mas a uma nova plataforma digital que a emissora promete lançar ainda este ano, apelidada internamente de Globoflix.

Há dez dias, o executivo da Globo responsável pela produção de séries, Guel Arraes, deixou o cargo. E a emissora, em vez de substituí-lo, escalou Silvio de Abreu, já responsável pela área de novelas, para acumular as duas funções. Para auxiliar Abreu na tarefa foi convocada Gloria Perez, outra autora de novelas.

O sucesso de "O Outro Lado do Paraíso", responsável por índices de audiência que não se viam desde 2012, ajuda a entender esses passos hesitantes da Globo em relação às séries. Uma das novelas mais constrangedoras exibidas pela emissora em décadas, apresenta uma trama contemporânea, ambientada em Palmas (TO), mas com entrechos e diálogos que remetem aos anos 1930, com um viés moralista e preconceituoso.

Posso imaginar a perplexidade dos executivos da emissora ao notarem que o número de aparelhos ligados aumenta, em vez de cair, diante de certas situações anacrônicas, tratadas com seriedade. Como a do geólogo que, na noite de núpcias, anuncia para a mulher que não terá relações sexuais com ela porque deseja conservá-la "pura" e que sexo é uma coisa "suja" que só se faz com prostitutas.

Menos publicidade

A decisão da NBC de reduzir ainda este ano em 10% o tempo total dedicado à publicidade, tema da coluna do último domingo, teve repercussões importantes. A Fox anunciou nesta semana que pretende, até 2020, cortar dois minutos do total de anúncios por hora de programação. A média hoje, nos EUA, é de 13 minutos de publicidade por hora nas grandes redes e de 16 minutos por hora na TV paga.

mauriciostycer@uol.com.br.

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