Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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O fim da benemerência

Programa apelativo perde espaço e Record se submete à lógica de que audiência sem publicidade é insustentável

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O Domingo Show comemora hoje quatro anos no ar. Lançado em 23 de março de 2014, o programa da Record nasceu com um único objetivo: levantar a audiência da emissora no horário. Para alcançar esse objetivo, exibiu semanalmente um mix de golpes baixos, formado por exploração da miséria alheia, assistencialismo, suspense e melodrama.

A duração original do programa ultrapassava quatro horas. No período, o apresentador Geraldo Luis exibia três ou quatro atrações, esticando cada uma até o limite. O reencontro de familiares que não se viam havia três décadas podia merecer 60 minutos no ar, com direito a reportagens em cidades longínquas e, no fim, o congraçamento de todos no palco, em meio a muito choro.

No seu primeiro ano, o Domingo Show bateu recordes de audiência ao debater por 80 minutos se Michael Jackson estava vivo. Também atraiu muito público com promessas de mostrar "o ex-vocalista de banda famosa que hoje trabalha em um mercadinho", "o cantor de forró que perdeu tudo" e "o galã da Globo que largou fama e dinheiro para trabalhar na rua", entre outros.

O assistente de palco de Geraldo Luís, o anão Marquinhos, mereceu dezenas de reportagens nestes quatro anos. No momento mais glorioso, o Domingo Show mostrou, no palco, o exame de ultrassom da anã Juliana, sua mulher, e partilhou com todo o Brasil o sexo do bebê que esperavam.

O apresentador sempre defendeu a atração dizendo falar "para o povo". Nunca aceitou a acusação de sensacionalismo, garantindo que não inventa nada. "Esse programa conquista o povo brasileiro pela verdade", costuma dizer. "Um programa que ensina o perdão, a ter esperança, quando não se tem mais. Um programa simples, do povo."

A novidade em 2018 é que, apesar dos seus bons índices de audiência, o Domingo Show teve a sua duração reduzida para duas horas. Parte dos funcionários foi demitida, Geraldo Luis perdeu o auditório e agora só exibe reportagens externas. No horário tomado do apresentador, a Record está exibindo reprises de programas de humor.

O que aconteceu? O Domingo Show sempre foi deficitário —poucos anunciantes, em sã consciência, toparam associar as suas marcas ao desfile de tristezas e aberrações exibido semanalmente. As vitórias sobre o SBT, na disputa pela vice-liderança, rendiam frutos em matéria de marketing, mas nenhum efeito real no bolso.

Geraldo Luis não está sozinho. Outro programa que tinha desempenho razoável no Ibope, o Legendários, de Marcos Mion, foi tirado do ar por ter faturamento insuficiente. Uma outra estrela da casa, o apresentador Roberto Justus, não teve seu contrato renovado e vai deixar a emissora.

Depois de alguns anos, a Record começou a sinalizar que a benemerência tem limites. Aparentemente, a emissora decidiu se submeter à lógica das TVs comerciais, segundo a qual bons números no Ibope não enchem a barriga de ninguém —o que importa é o mercado publicitário enxergar valor nesta audiência.

A emissora não é a única a sentir os efeitos da crise. Cortes e demissões têm ocorrido em todo o espectro. Ao mesmo tempo, os relatórios do Ibope mostram que nunca tanta gente assistiu televisão aberta.

Em tempos de vacas magras, conseguir atrair público e publicidade ao mesmo tempo ainda é o maior desafio desse modelo de televisão.

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