Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer
Descrição de chapéu

Solução mágica contra o racismo

'O Outro Lado do Paraíso' trata do tema de forma desastrada; Mister Brau ensina

Casada com um juiz, Nádia (Eliane Giardini) foi apresentada desde o início de "O Outro Lado do Paraíso" como uma integrante da elite de Palmas (TO). Mãe de dois filhos, um advogado que virou delegado e um geólogo, ela teve participação importante na novela de Walcyr Carrasco por representar uma personagem racista.

Na primeira parte da trama, expulsou de casa a empregada Raquel (Erika Januza) ao descobrir que ela namorava Bruno (Caio Paduan). "Sua desgraçada! Bota uma coisa na sua cabeça: meu filho jamais se casará com uma preta!" Para assegurar o cumprimento desta resolução, Nádia aproximou o filho de uma médica, Tônia (Patrícia Elizardo), e a convenceu a mentir que estava grávida para se casar com ele.

A novela deu um salto de dez anos, e a empregada reapareceu como juíza (ela estudou graças à ajuda financeira de uma comunidade quilombola). Na nova posição, Raquel logo reencontrou Bruno e eles voltaram a se envolver. "O que eu fiz para merecer um castigo deste tamanho, Senhor?", perguntou Nádia. "Tinha que ser justamente essa negra a se tornar a nova juíza da cidade?"

Para assegurar que o delegado não voltasse a se envolver com a "Miss Quilombo", como ela se referia à juíza, Nádia convenceu Tônia a tentar, novamente, uma gravidez para prender o marido. O golpe não funcionou. Bruno se separou e ficou com Raquel, apesar dos protestos racistas da mãe.

Nesse meio tempo, Nádia virou avó graças à criança nascida da relação do outro filho, Diego (Arthur Aguiar), com a prostituta Karina (Malu Rodrigues). Nasceu um bebê negro, apesar da mãe loiríssima e do pai branco. Revelou-se, então, que tanto Nadia quanto o marido, o juiz Gustavo (Luis Melo), tinham antepassados negros.

Deu-se, então, a redenção mágica da racista. Nádia se afeiçoou ao neto e pediu desculpas a Raquel. As ofensas e os insultos racistas ao longo de seis meses de novela, e que jamais causaram alguma reação drástica, foram esquecidos. O racismo desapareceu.

Na terça (1º), Walcyr Carrasco poderá entender como abordou de forma desastrada o assunto se assistir, assim que terminar o capítulo da novela, ao segundo episódio da quarta temporada de "Mister Brau".

Um dos filhos de Brau (Lázaro Ramos) e Michele (Taís Araújo) será detido em uma loja de um shopping, acusado de tentar furtar um skate. O adolescente Egídio (Leonardo Lima) estava com dois amigos, brancos, e só ele foi responsabilizado pelo crime (cometido, na verdade, por um dos colegas).

 

Egídio explica para os pais famosos que é inocente, mas está com vergonha de sair de casa desde que a notícia do furto apareceu na internet. Brau ensina ao filho: "Não me interessa o que dizem nessas redes antissociais. Ninguém nasce odiando a outra pessoa pela cor da pele, pela origem, pela religião. As pessoas aprendem a odiar. E, se as pessoas podem aprender a odiar, elas também podem ser ensinadas a amar".

"Lindo isso", diz Gomes (Kiko Mascarenhas), o secretário faz-tudo de Michele. "Eu também acho lindo", responde Brau. "Mas não é meu, é do Nelson Mandela. Menos a parte dos haters antissociais."

Excesso de didatismo? Talvez. Mas, com muito humor também, a série de Jorge Furtado vem há quatro anos propondo ao espectador que reflita sobre o racismo entranhado na sociedade. Não há soluções mágicas, ensina "Mister Brau".

Esta será a última temporada. Por meio de Brau e Michele, Furtado ofereceu ótimo entretenimento nesses quatro anos, mas sem nunca deixar de propor alguma reflexão sobre o estranhamento que a posição de dois negros ricos e famosos ainda provoca no Brasil. Fica a dica, Carrasco.

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