Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer
Descrição de chapéu

Guerra de palavras

Situações no Brasil e nos EUA mostram dificuldade de responder à intolerância

A cantora Iza assume na terça (5) a apresentação do programa semanal Música Boa, no Multishow, cuja última temporada foi comandada por Anitta; a cada edição, ela receberá e cantará com três outros artistas —na estreia, os convidados serão Maria Rita, Zeca Pagodinho e Thiaguinho ***EXCLUSIVO MONICA BERGAMO****
A cantora Iza - Gabryel Sampaio

Descoberta em 2017, a cantora Iza se tornou presença constante na TV neste ano. Desde janeiro, já esteve em uma dezena de programas da Globo, SBT, Record e Band cantando "Pesadão", seu primeiro sucesso, e "Ginga", a música escolhida para promover o CD "Dona de Mim".

Nas duas vezes em que se apresentou na Record, no Programa do Porchat (9 de maio) e no Programa da Sabrina (26), Iza cantou "Ginga" de forma incompleta, deixando de mencionar um verso: "Fé na sua mandinga, na roda e ginga".

A exclusão do termo que faz alusão a religiões de matriz africana levou fãs da cantora a afirmarem que ela foi censurada. A suspeita deve-se à agressividade com que pastores da Igreja Universal (cujo fundador, Edir Macedo, é dono da Record) costumam se referir a ritos da umbanda.

Ao longo desta semana, procurei a emissora e a cantora para tentar esclarecer o que ocorreu. Nem a Record nem Iza quiseram falar. A situação é estranha porque coloca em questão a própria estratégia de marketing que a artista adotou para promover a sua carreira.

Ao explicar à revista Rolling Stone por que batizou o seu CD de estreia com o título "Dona de Mim", Iza disse: "Tem a ver com autodescoberta, autoconhecimento, o nome desse álbum é esse também porque as músicas tratam de sexo, liberdade, mudanças —todas as letras falam sobre como eu virei dona de mim". Não é o que parece.

Outro caso de censura recente foi protagonizado pelo Multishow. O canal do grupo Globo alterou o texto de um episódio da série mexicana "Chapolin", gravado em 1973, para contornar uma piada vista como homofóbica.

Na história original, já exibida pelo SBT, uma personagem se irrita com o herói e diz: "Era melhor ter chamado o Batman no lugar do Chapolin Colorado!". Irritado, ele responde: "Batman não está porque saiu em lua de mel com Robin". Na nova dublagem feita pelo Multishow, ouve-se: "Batman não pôde vir porque furou o pneu do Batmóvel".

 

"Existe, por trás, obviamente, um cunho homofóbico, uma coisa mais machista. Entendemos que era uma piada preconceituosa. Lá atrás, nos anos 1970 e 80, era considerada normal, mas felizmente hoje não é mais aceitável. Você não diria isso para o seu filho, estamos em um outro momento da vida. Tentamos suavizar isso", explicou ao UOL a diretora de programação do Multishow, Tatiana Costa.

Ora, se o Multishow considera que "Chaves" e "Chapolin" contêm piadas homofóbicas, não deveria ter comprado os direitos da série. Ou poderia exibir uma advertência, como a Warner passou a fazer com "Tom & Jerry": "Os desenhos que você verá são produto de sua época. E não representam a visão que temos hoje da sociedade". Algo assim. Mas mudar o texto da série é uma prepotência assustadora.

Os dois casos vieram à tona na semana em que a rede americana ABC cancelou a série "Roseanne". O anúncio foi feito horas depois de a protagonista, a comediante Roseanne Barr, ter publicado um comentário racista no Twitter, chamando uma assessora do ex-presidente Obama de "macaco".

O cancelamento vai causar uma série de prejuízos ao canal, além de afetar a vida de dezenas de pessoas que trabalhavam no programa. Mas, com exceção dos maiores fãs da atriz, não provocou grandes protestos.

O que espantou a alguns é o fato de Roseanne ter um histórico de comentários ofensivos no currículo. Por que tomar uma atitude radical destas só agora? Nesta era Trump, pode significar a tomada de consciência de que a tolerância com o racismo é perigosa.

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