Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mediado pelo marketing

'Sharp Objects', da HBO, não disfarça a vontade de agradar o seu público-alvo

Amy Adams em cena da série 'Sharp Objects', da HBO - Anne Marie Fox/HBO/AP

Neste domingo (22), a HBO exibe o terceiro episódio de "Sharp Objects". Principal aposta do canal neste mês, a série descreve a jornada de Camille Preaker (a excelente Amy Adams), uma jornalista com sérios problemas pessoais, que retorna à sua cidadezinha, no interior do Missouri (EUA), para escrever uma reportagem sobre as mortes violentas de duas crianças.

Num vídeo promocional de "Sharp Objects", uma repórter contratada pela HBO pergunta para a atriz Elizabeth Perkins (Jackie): "Você enxerga esta série sendo exibida por algum outro canal além da HBO?". E ela responde: "Não. É uma série da HBO porque a HBO se arrisca. A HBO sabe que os personagens masculinos não são os protagonistas e diz: tudo bem".

Antes, nessa mesma publicidade, a repórter diz: "É uma história feminina, escrita por mulheres, produzida por mulheres". E a atriz Eliza Scanlen (Amma), de apenas 19 anos, acrescenta: "Já é hora de começar a falar, escrever e produzir trabalhos sobre mulheres, em especial, anti-heroínas".

Alguns problemas, tanto de "Sharp Objects" quanto da HBO, estão sugeridos neste vídeo promocional. Talvez a maior limitação da série seja, justamente, essa vontade transbordante de agradar o público-alvo para o qual ela se destina.

"Sharp Objects" entrega tudo de mão beijada, sem nenhuma sutileza. Camille é alcoólatra e, bebendo garrafinhas de vodca, permanece um degrau acima de todos o tempo todo. Além disso, ela perfura o próprio corpo com agulhas (daí o título).

Ao voltar para a pequena Wind Gap, ela enfrenta uma mãe castradora e igualmente atormentada, além de reviver cenas do passado ao lado de uma menina que parece ser sua irmã. No reencontro familiar, outra obviedade: ela tem um padrasto bobão e uma meia-irmã adolescente problemática. O pai, uma figura ausente, é substituído pelo chefe, no jornal, que a orienta.

Camille, ao menos nos dois primeiros episódios (de um total de oito), não instiga nada além de comiseração. É, até o momento, uma espécie de anti-heroína sem causa. Os demais personagens, em sua maioria, são tipos caipiras já vistos em um sem-número de séries e filmes. A rigor, praticamente nada aconteceu até o momento.

Abro um rápido parêntesis para observar que as séries hoje em dia, tanto de ficção quanto documentais, parecem ter duração maior que o necessário. Para os roteiristas, a possibilidade de criar histórias e personagens sem um limite de tempo é uma dádiva, mas tenho a impressão que muitos estão tendo que desenvolver tramas mais longas do que gostariam ou precisariam.

A HBO, como mostrou recente reportagem do jornal The New York Times, reproduzida pela Ilustrada, vive um momento de incertezas depois da compra do conglomerado Time Warner, ao qual ela pertence, pela AT&T.

O grupo de telecomunicações parece desejar que a HBO aumente a sua base de assinantes e eleve a audiência de suas séries —sinais de que o canal precisará ser um pouco mais flexível em sua programação, hoje considerada de ponta.

"Sharp Objects" não é uma concessão em busca de um público maior, mas não deixa de representar um passo mediado, com certo peso, pelo marketing. Ela vem no embalo da aclamada "Big Little Lies" (2017) —o diretor, inclusive, é o mesmo Jean-Marc Vallée.

O protagonismo feminino nas duas séries é, de fato, motivo para festejar. Mas a HBO já produziu ficção muito mais ousada, criativa e provocativa.

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