Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Aposta em ficção de qualidade

Assédio sinaliza o reconhecimento da Globo de que disputa público com a Netflix

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Em meio ao rebaixamento, na minha visão, intencional da ambição de sua teledramaturgia, a Globo acaba de lançar em seu serviço de streaming uma série que aponta em uma direção contrária.

Em dez episódios, "Assédio" conta uma história de terror, sem apelar a golpes baixos nem a excesso de didatismo.

Não há uma protagonista, mas dezenas de mulheres, vítimas de abusos sexuais cometidos por um médico especialista em reprodução assistida.

Apostando em uma narrativa que vai e volta no tempo ao longo de um período de 20 anos, a série exige atenção e oferece em troca uma experiência dolorosa. É de embrulhar o estômago.

"Livremente inspirada" no livro-reportagem "A Clínica: A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih" (Record, 2016), de Vicente Vilardaga, "Assédio" se estrutura em torno de três eixos principais: o médico, as vítimas e a mídia.

A série é muito bem-sucedida ao mostrar os inúmeros desdobramentos da violência sofrida pelas mulheres em um momento de completa fragilidade —uma consulta médica. A dor e o nojo do assédio sexual impactam suas relações pessoais e profissionais. São casamentos desfeitos, laços afetivos rompidos, vidas destruídas.

No exercício de expor ao público os diferentes danos causados pelo médico, "Assédio" às vezes resulta num manifesto, bem contemporâneo, diga-se, contra a violência sexual. Mas, mesmo quando o caráter documental "engole" a ficção, a série não perde a sua força.

Em uma ficção de temática feminina, escrita, dirigida e interpretada por mulheres, o mais difícil é o retrato do protagonista. Roger Sadala (Antonio Calloni) é um tipo ambicioso, vaidoso, grosseiro e violento em suas relações pessoais e profissionais.

Desenhado como um monstro, sem nuances, torna-se um personagem fácil de odiar, mas difícil de entender.

Mais complexa é a construção de Glória (Mariana Lima), primeira mulher de Roger, cujo amor pelo marido é testado pelos casos de adultério que ele comete e o desprezo da sogra (Juliana Carneiro da Cunha), que endeusa o filho.

Por fim, há a obstinada Mira (Elisa Volpatto), a jornalista que, ainda estagiária, em 1994, recebeu uma denúncia anônima sobre um caso de assédio cometido pelo médico. Idealizada pelo roteiro, ela vai deixar a vida pessoal em segundo plano para se dedicar ao assunto por 15 anos, até conseguir publicar uma primeira reportagem de impacto.

Neste tópico, em particular, "Assédio" comete uma injustiça. A personagem Mira é livremente inspirada na jornalista Lilian Christofoletti, que investigou e publicou o caso na Folha, em 2009. Mas, em 2014, o jornalista que teve o papel mais importante na localização do médico, escondido em Assunção (Paraguai), foi Leandro Sant'Ana, produtor da TV Record, ignorado pela série da Globo.

Sem previsão de lançamento na TV, "Assédio" só pode ser vista por assinantes do serviço de streaming da emissora. O projeto torna explícito um movimento que já vinha sendo ensaiado pela Globo há algum tempo, o reconhecimento de que parte do público abandonou mesmo a TV aberta em busca de programação de mais qualidade.

Para reencontrá-lo, é necessário investir no mesmo terreno e com as mesmas armas que os concorrentes já estabelecidos (Netflix, Amazon etc.).

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