Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

Série 'Sob Pressão' faz defesa emocionante da saúde pública no país

'O Brasil é um país doente' é uma frase dos últimos 15 minutos da melhor série brasileira do ano

​Uma sequência de situações dramáticas, exageradas mesmo, marcou o final da segunda temporada de "Sob Pressão", exibido nesta terça-feira (18). Os últimos 15 minutos do episódio duplo revelam como os autores enxergam os heróis que defendem a saúde pública no país e como eles veem os criminosos que contribuem para o seu estado de calamidade.

Poucas vezes em 2018 a TV aberta brasileira produziu momentos tão fortes quanto esses. Fuja daqui se você não quer ler spoilers.

Renata (Fernanda Torres), a diretora que implantou um esquema de corrupção no hospital, recolhia documentos comprometedores em sua sala quando soube do vazamento de uma gravação que expunha o seu papel nos crimes.

A polícia chega ao hospital, mas ela consegue sair sem ser vista. Abrindo a porta do carro, a diretora é abordada por um homem que não conhece. Ele teve a perna amputada como resultado de uma cirurgia malsucedida por falta de material hospitalar básico. Era amputar a perna ou ele morria. "Doutora Renata? Por causa da sua roubalheira, eu fiquei assim." E atira nela.

Evandro (Júlio Andrade), envolvido sem saber no esquema de corrupção comandado por Renata, e recém-libertado da prisão, a socorre ainda no chão. Na mesa de operação, também com materiais importantes faltando, ele decide tirar um pulmão da paciente para mantê-la viva.

Corta para o pós-operatório. No leito, se recuperando, Renata quer entender por que Evandro a salvou. "Porque eu sou médico e essa é a minha obrigação", responde o cirurgião que ao longo das duas temporadas também salvou diversos traficantes baleados.

Corta para Renata diante do juiz e ela anuncia que vai revelar tudo que sabe do esquema. Suas informações envolvem o secretário de Saúde e o empresário que vendia equipamentos desnecessários e superfaturados. O hospital fecha as portas.

E o episódio termina com Evandro, em uma reunião de um grupo de Narcóticos Anônimos, falando o seguinte texto:

"Meu nome é Evandro. Eu sou médico. Sou chefe da emergência de um hospital público no subúrbio do Rio de Janeiro. Eu sou um adicto a drogas. Eu aceitei vir aqui porque eu preciso de ajuda. Eu preciso de ajuda para continuar ajudando as pessoas. Ou pelo menos foi uma desculpa que eu inventei para mim mesmo.

Eu comecei a tomar remédio depois da morte da minha primeira mulher. Eu não consegui mais parar. As condições do meu trabalho pioraram meu vício. Mas eu sei que esse problema é meu.

Eu tomo remédio para aliviar a angústia, pra aguentar ver uma pessoa morrendo e não poder fazer o que eu faço. Eu luto todos os dias contra a morte. Todos os dias. O Brasil é um país doente.

É só olhar a violência, a corrupção, o motoqueiro sem capacete, a bala perdida. Mas nenhum desses é um problema da saúde. Mas tudo isso leva uma pessoa para o hospital, para a mão de médicos como eu, como a gente. O nosso hospital tinha muitos problemas, mas a gente nunca deixou nenhum paciente sem atendimento. Nunca. Nunca. Era uma luta diária e agora fechou. Desviaram dinheiro, roubaram tudo. Mas há esperança de ter uma saúde pública digna para todo mundo. Isso ninguém vai tirar isso da gente. Nunca."

Este texto final serve para confirmar a vocação humanista de Jorge Furtado, o criador da série, e de seus roteiristas, Lucas Paraízo (redator final), Antonio Prata, Marcio Alemão e André Sirangelo. Um desfecho comovente, que confirma "Sob Pressão", dirigida por Andrucha Waddington e Mini Kerti, como a melhor série exibida pela Globo em 2017 e 2018.

Em tempos confusos como os atuais, com tanta resistência ao debate de ideias, a TV precisa ir além do entretenimento. Que venha a terceira temporada em 2019.

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