Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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A interação como isca para marketing

'Bandersnatch' anuncia nova era em matéria de coleta de dados sobre o público

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Lançado nos últimos dias de 2018, o filme "Black Mirror: Bandersnatch" oferece um tipo de entretenimento dos mais sedutores. Cabe ao espectador, ao longo de uma experiência que pode durar até 90 minutos, fazer dezenas de escolhas sobre o destino do protagonista.

Ambientado em 1984, o drama gira em torno de Stefan Butler (Fionn Whitehead), um jovem programador que é contratado para transformar um livro de ficção em um videogame. O garoto é muito talentoso, mas sofre de depressão e tem uma relação conflituosa com o pai, com quem vive.

Num exercício de metalinguagem sem muita sutileza, a premissa do jogo eletrônico que ele está criando, tal como o filme, é a interação que oferece aos jogadores.

A ideia de dar ferramentas de interação ao público está longe de ser nova. Em 1992, por exemplo, o espectador brasileiro tinha a opção de escolher, pelo telefone, os finais das histórias exibidas pela Globo no "Você Decide".

Mesmo a Netflix, que lançou "Bandersnatch", já faz experiências com interatividade do seu conteúdo há alguns anos. O que diferencia a atual é a qualidade técnica, a sofisticação dos recursos utilizados e as questões que suscita.

A primeira qualidade que salta aos olhos, do ponto de vista da indústria, diz respeito ao combate à pirataria. Diferentemente de um filme linear ou uma série em episódios, as seguidas opções de interação tornam muito mais difícil a tarefa de copiar "Bandersnatch".

Outro ponto que faz brilhar os olhos do mercado é o engajamento que o filme provoca. São tantas as opções —e tão complexas— que o espectador tende a ir e vir várias vezes, permanecendo horas diante da tela. É uma experiência que estimula a troca de informações (sobre supostos caminhos e segredos) entre usuários.

Por fim, e mais problemático, "Bandersnatch" parece anunciar uma nova era em matéria de coleta de informações sobre o espectador. Não à toa, a primeira opção que somos obrigados a fazer é entre duas marcas reais de cereal que Butler vai tomar em seu café da manhã.

Outra escolha aparentemente banal, também no início do filme, é entre duas músicas que o protagonista deve ouvir em uma determinada cena.

Mais explícito, ainda, e me perdoe pelo spoiler, é um dos seis finais possíveis de "Bandersnatch". Quando Butler, enlouquecido, pede um sinal sobre quem está no controle de suas ações, uma das opções que aparece para o espectador é a logomarca da Netflix. Clicando nela, a metalinguagem ganha ares de publicidade explícita.

Como se sabe, a Netflix valoriza, desde os seus primórdios, a análise dos hábitos dos assinantes para tomar decisões relativas à programação. O modelo de interação proposto em "Bandersnatch", enfim, abre um novo campo na coleta de dados sobre o usuário para utilização, também, em estratégias mais ou menos explícitas de marketing.

TV e literatura

Reitero uma dica já dada por Alvaro Costa e Silva na Folha sobre um raro romance que tem o mundo da televisão como pano de fundo. "Os Últimos Dias em Preto e Branco" (Ponteio, 266 págs.), de Marcus Veras, conta uma ótima história passada na fictícia TV Carioca, no Rio, em 1970.

Entre muitos tipos fictícios e algumas figuras reais da trama, a mais curiosa é um coronel do Exército encarregado de produzir um programa patriótico, em defesa dos valores do governo militar.

Na interação de Bandeira com o dono da TV, os acionistas, bem como com o roteirista, o produtor e os apresentadores de "A Vez do Brasil", Veras relembra um tempo que não deve ser esquecido.

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