Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Humor a favor do público

'Tá no Ar' teve coragem e talento para rir do jornalismo, igrejas e publicidade

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Cena da esquete 'Vila Militar do Chaves' no programa 'Tá No Ar'
Cena da esquete 'Vila Militar do Chaves' no programa 'Tá No Ar' - Reprodução/TV Globo

Exibidos os dois primeiros episódios da temporada final de “Tá no Ar”, está claro que o humorístico da Globo dedicado a rir da própria televisão vai se despedir do público em alto nível, com a mesma coragem que vem exibindo desde 2014.

Uso a palavra “coragem” porque o programa em momento algum perdeu de vista que alguns de seus alvos primordiais estavam no topo da cadeia de poder deste universo. Falo, por exemplo, das sátiras à publicidade, da galhofa com o excesso de religião na TV e das críticas ao jornalismo.

Com justiça, a piada com Jair Bolsonaro dentro de uma paródia ao seriado mexicano “Chaves” foi o que mais chamou a atenção na estreia desta sexta temporada. No esquete, mais uma vez foi possível apreciar a qualidade do texto, o talento de Marcelo Adnet como imitador e o requinte da produção do “Tá no Ar”.

Mas acabou ficando em segundo plano, neste mesmo episódio, uma sequência de três sátiras devastadoras a anúncios comerciais. O primeiro, de um carro esporte, mostra os danos que ele causa. “Se você ama mesmo a natureza, faça suas trilhas a pé”, diz a mensagem.

O segundo, de margarina, mostra diferentes arranjos familiares, incluindo homens se beijando. E o terceiro ri das publicidades de absorvente feminino, “resolvendo magicamente todos os problemas da mulher”.

Ao longo das seis temporadas, o “Tá no Ar” foi impiedoso com os programas policiais sensacionalistas (“Jardim Urgente”), mas também com o jornalismo supostamente sério, que precisa rebolar para chamar a atenção do público (“Jornal Nacional Musical”, “Cidade Inversa”, “Jornal Surreal” etc.).

Finalmente, nestes últimos seis anos, ninguém falou mais que o “Tá no Ar” sobre a ocupação da TV por diferentes igrejas e credos. São muitos os exemplos, do programa de televendas “Poligod” à “Galinha Preta Pintadinha” e suas inúmeras variações, como a “Convertidinha”, passando pela parodia de “Friends” intitulada “Crentes”, entre outros.

Além da coragem de enfrentar esses temas, a equipe do “Tá no Ar” precisou também de apoio para levá-los ao ar na principal emissora do país.

Desde que o humorístico estreou, em 2014, integrantes do “Casseta & Planeta”, que foi ao ar entre 1992 e 2010, lamentaram em diferentes entrevistas que a Globo restringiu a liberdade do grupo de fazer piadas com marcas comerciais, programas da concorrência e política.

Em julho de 2015, Marcius Melhem, cocriador do ‘Tá no Ar’, contou que, ao ser convidado para discutir novos programas de humor na Globo, disse a Carlos Henrique Schroder, diretor-geral da emissora desde 2013: “Se não tirar o [departamento] jurídico da frente, não dá para fazer humor”. O que foi feito.

Exemplos de ousadia não faltam nestes últimos 50 anos. O “Tá no Ar” está longe de ser pioneiro na crítica ao universo da TV ou no humor de conteúdo político. Há larga tradição na televisão brasileira. Embora muitos enxerguem diálogo com o excelente “TV Pirata” (1988-90 e 1992), Melhem citou algumas vezes que o programa tem raízes no “Satiricom”, exibido entre 1973 e 1975.

Pode-se dizer, já, que o “Tá no Ar” conquistou um lugar de destaque neste capítulo da história da televisão. É claro que a liberdade concedida teve papel importante, mas o mérito maior é dos envolvidos na sua criação. Firmes, se colocaram, sempre, do lado do espectador, contra o preconceito, a ignorância, a intolerância e a má-fé.

Para a Globo, que acredito ter tido um ganho de imagem por abraçar esse projeto, fica a lição de que saber rir de si própria não dói.

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