Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Apressada e sem densidade, nova temporada de 'O Mecanismo' já nasceu velha

A dificuldade de retratar acontecimentos ainda atrapalha a série

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Como um livro de oportunidade, escrito e publicado às pressas com o objetivo de surfar na onda provocada por algum acontecimento de grande repercussão, a série “O Mecanismo” chama a atenção pela sua precariedade. 

 

A primeira temporada, lançada em março de 2018, provocou muitas discussões pela liberdade de colocar na boca do personagem que representava o ex-presidente Lula uma frase dita, no mundo real, pelo ex-senador Romero Jucá.

Também foi muito criticada pelo fato de as falas do personagem Marco Ruffo (Selton Mello), o narrador da série, serem quase inaudíveis.

José Padilha, o diretor, chamou de “debate boboca” o primeiro questionamento. Segundo ele, “misturar falas ou expressões de um político-personagem que o público pode confundir quem falou não tem a menor importância, pois são todos parte do sistema”.

Na ocasião, argumentei que o diretor, em ano eleitoral, estava ajudando a propagar um discurso que era música para os ouvidos de quem buscava espaço no cenário político com a bandeira do “sou contra tudo isso que está aí”.

O lançamento da segunda temporada, agora em maio, traz uma boa notícia: o problema de áudio foi resolvido. Selton Mello explicou por que tanta gente teve dificuldade de ouvi-lo em 2018: “Na primeira temporada não foi um problema meu, foi problema da mixagem”. 

Mas a dificuldade de retratar acontecimentos ainda em andamento segue atrapalhando “O Mecanismo”. Antes mesmo da nova fornada de episódios chegar aos assinantes da Netflix, Padilha expressou, em artigo publicado na Folha, o seu incômodo com as atitudes recentes do personagem que é retratado como o herói da série.

Ao analisar as medidas do pacote contra o crime enviado pelo ministro Sérgio Moro ao Congresso, o cineasta conclui que elas vão favorecer as milícias.

“Ora, o leitor sabe que sempre apoiei a operação Lava Jato e que chamei Sergio Moro de ‘samurai ronin’, numa alusão à independência política que, acreditava eu, balizava a sua conduta. Pois bem, quero reconhecer o erro que cometi”, escreve. “É obvio que o pacote anticrime de Moro vai estimular a violência policial, o crescimento das milícias e sua influência política”, continua. “Seu pacote anticorrupção é, também, um pacote pró-máfia”.

No Twitter, sem mencionar Padilha, Moro descreveu medidas do pacote que, na sua visão, combatem as milícias e acrescentou: “De uma forma estranha, apesar disso tudo, para alguns virou um projeto em favor de milícia ou da máfia. Excesso de ficção”.

O artigo de Padilha e as entrevistas que deu na sequência, para promover a segunda temporada, soaram como “alerta de spoiler”. Sem poder corrigir a realidade, só lamentá-la, o diretor pareceu estar avisando ao espectador que a sua ficção inspirada em fatos reais já nasceu irremediavelmente velha.

A ingenuidade do cineasta transparece ao longo de toda a série. Policiais, procuradores e juiz são tão canhestros nos gestos heroicos quanto empreiteiros e políticos em suas atitudes vis. Na pressa e na falta de densidade, “O Mecanismo” é uma HQ de má qualidade.

Aproveito para recomendar, na mesma Netflix, o documentário “Losers”, de Mickey Duzyj. Ele conta oito histórias de derrotas no esporte. Em menos de 30 minutos cada, os episódios descrevem não apenas o momento-chave, mas os antecedentes dos fracassos e o impacto, quase sempre positivo, que tiveram. 

Ainda que vez ou outra soe piegas, “Losers” escapa da tentação de dar lição e conta histórias incríveis. Mesmo o espectador não seja fã de boxe, futebol, basquete, golfe ou curling vai apreciar o programa.

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