Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Ficção e irrealidade

Emissoras usam confusão entre ator e personagem para engajar o espectador

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Foram comuns, na época da TV a lenha, os relatos de atores que diziam ter sido agredidos na rua por causa do mau comportamento de seus personagens em novelas.

A serem verdadeiras as histórias que eles contavam, alguns espectadores não enxergavam diferença entre realidade e ficção. Daí dedicarem xingamentos e tapas ao profissional em resposta à vilania do seu personagem.

O tempo passou, o espectador se graduou e pós-graduou em teledramaturgia, e incidentes deste tipo sumiram do noticiário. Ainda se vê hoje atores e atrizes relatarem críticas e elogios que ouviram nas ruas, mas o campo de batalha com o público se transferiu para outro lugar: as redes sociais.

Um incidente recente, protagonizado pela atriz Cristiana Oliveira, mostra como esse terreno é minado. Vivendo a perua Lara na novela "Topíssima", na Record, ela postou no Instagram uma foto em que aparece segurando um cartaz com a mensagem: "Quem matou Luciana?". Junto via-se a foto de uma personagem, vivida por Aline Riscado, que foi assassinada no primeiro capítulo da trama.

A imagem causou comoção entre fãs da atriz, especialmente entre os muitos que não estão assistindo à novela. Vários lamentaram a morte da própria Aline Riscado.

"O Brasil está difícil. Todos os dias alguma tragédia", escreveu um. Outro observou: "Senhor, não acredito. Esse mundo está precisando de mais amor no coração. Como pode matar pessoas tão boas?"

"Querida, isso é uma novela", apressou-se em esclarecer Cristiana Oliveira. "Passando para dizer que estou mais viva do que nunca", publicou Aline Riscado em seu perfil na rede social.

Alguns dias depois do mal-entendido, a Record realizou uma ação promocional na qual vários atores de "Topíssima" aparecem nas redes sociais segurando um cartaz que diz: "Isso é uma novela, querida!". A campanha ainda não resultou em ganhos expressivos de audiência, mas pelo menos mostra que a emissora tem humor.

Ainda que tenha nascido de um incidente imprevisto, a confusão entre ficção e realidade em "Topíssima" resultou no que hoje os especialistas em marketing digital mais almejam: engajamento.

É essa palavrinha mágica que move diferentes campanhas de "transmidiação", como gostam de dizer os publicitários. A mais chamativa, no momento, é dedicada à personagem Vivi Guedes, interpretada por Paolla Oliveira na novela "A Dona do Pedaço", atração das 21h na Globo.

Vivi é uma influenciadora digital —uma das ocupações da nova era. Ela é uma pessoa cujo estilo exibido nas redes sociais é admirado e imitado. Daí surgem as mais variadas oportunidades de negócio a partir da exposição de sua figura em eventos, bem como de marcas de produtos variados nas fotos que publica.

Walcyr Carrasco, que não é bobo, vai tirar uma casquinha do fascínio que tipos como Vivi exercem hoje e promete mostrar o lado podre deste mundo. A Globo, que igualmente não perde uma oportunidade, criou um perfil para Vivi Guedes no Instagram.

Hoje, com cerca de 300 mil seguidores, a personagem se exibe em imagens sensuais ou mostrando o seu dia a dia, o que inclui academia de ginástica, trabalhos de moda etc.

Paolla Oliveira, cujo perfil verdadeiro tem 17,5 milhões de seguidores, se entrega com tamanho entusiasmo às fotos de Vivi que alguém poderá dizer que uniu o útil ao agradável.

Neste novo campo de batalha pela atenção dos espectadores, de fato, não faz muita diferença o que é real ou o que é falso.

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