Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Um crime com a paciência do público

Série 'Bandidos na TV' é longa demais e resvala no sensacionalismo

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Um apresentador de TV encomenda assassinatos para impulsionar a audiência do seu próprio programa, que exibe casos policiais e de violência. Quem não assistiria a uma série que se propõe a contar esta história?

Muito do sucesso de "Bandidos na TV", disponível na Netflix, se deve a este “plot” irresistível, mas sensacionalista. Esta acusação contra Wallace Souza (1958-2010), usada na promoção, não ganha consistência em momento algum do documentário.

Wallace Souza, ex-deputado federal e ex-apresentador do programa Canal Livre, é tema da série documental Bandidos na TV, da Netflix
Wallace Souza, ex-deputado federal e ex-apresentador do programa Canal Livre, é tema da série documental Bandidos na TV, da Netflix - Reprodução/Netflix

Ao longo de sete episódios, o diretor britânico Daniel Bogado descreve a trajetória de Wallace, um ex-policial militar que se tornou, em 1996, apresentador do “Canal Livre” na TV Rio Negro (hoje Band Amazonas).

Com seu mix de sensacionalismo, assistencialismo, entretenimento e humor cru, o programa seguia um padrão que faz sucesso até hoje na TV aberta. O primeiro episódio, o melhor, centra foco justamente no auditório comandado por Wallace.

Pelo que se vê, ele não era um tipo exaltado como Luiz Carlos Alborghetti (1945-2009), cujo programa “Cadeia Nacional”, na CNT, na década de 1990, inspirou uma geração de apresentadores. 

As imagens em primeiro plano de corpos de vítimas assassinadas são uma das marcas registradas do “Canal Livre”, mas é curioso ver como Wallace se comporta como um grande patrono, ouvindo pedidos da plateia e cobrando segurança pública das autoridades. Não à toa, elegeu-se deputado estadual no final de 1998. 

Este primeiro episódio prepara o espectador para o tema central —Wallace se torna objeto de investigação, acusado de assassinatos, tráfico de drogas e outros crimes.

Por mais seis episódios, “Bandidos na TV” tortura o espectador com minúcias do caso. Pior, faz suspense, criando expectativas, como se fosse uma novela ou um seriado policial. Em vários momentos, a série me parece tão sensacionalista quanto o programa de Wallace. 

Fui até o final, mas confesso que lá pela metade do terceiro episódio, irritado, recorri ao Google para conhecer logo o desenlace do caso. 

A história é interessante, a investigação apresenta várias reviravoltas, os policiais cometem erros, o apresentador se encrenca, mas daria para entender e apreciar tudo num filme de duas horas. 

Qual é a necessidade de esticar por quase sete horas este documentário? O problema não é só de “Bandidos na TV”. Como escrevi em abril, este gênero, a investigação jornalística sobre crimes verdadeiros, tornou-se uma febre mundial.

Para empresas como a Netflix, Amazon ou Globoplay, quanto mais tempo o assinante ficar assistindo a uma série, melhor. É nítido, nesta onda de documentários, que não há qualquer restrição ao tamanho. Ao contrário, tenho a impressão que os criadores são estimulados a fazer com a duração que desejarem. 
O efeito colateral é o espectador se dar conta de que está desperdiçando o seu tempo.

‘O garoto Neymar’

Escrevo na quinta-feira (6), com base nos “capítulos” exibidos desde sábado (1º), sobre a acusação de estupro contra o jogador Neymar. O interesse despertado pelo assunto, enorme, não poderia justificar uma cobertura tão apressada e, eventualmente, leviana.

É impressionante a sem-cerimônia com que apresentadores e comentaristas fazem julgamentos com base em fiapos de informação. Essa insistência em infantilizar Neymar (“um garoto”) é preocupante. E a divulgação apressada de fragmentos de vídeo, sem contextualização, alimenta a desinformação.

Só espero que este episódio não vire uma série da Netflix em sete episódios. 

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