Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Apesar da causa justa que defende, 'Aruanas' não consegue gerar empatia

Ficção da Globo transformou não só os vilões, mas os heróis em caricaturas

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Usar uma série de ficção para chamar a atenção sobre a realidade do país é sempre um desafio. Como levar o espectador, depois de um dia puxado, a refletir sobre assuntos que afetam a sua vida sem aborrecê-lo?

"Sob Pressão", série médica que a Globo exibe desde 2017, é exemplo bem-sucedido, na minha visão, de equilíbrio na mistura de entretenimento de qualidade com doses de ativismo (a defesa do sistema de saúde pública).

Ajuda bastante o fato de o tema ser universal e muito fácil de compreender. Mas isso não basta. O que pesa a favor do programa criado por Jorge Furtado é ser bem escrito, dirigido e interpretado.

"Sob Pressão" sempre emociona e deixa o espectador em estado de atenção máxima com a trama ficcional que propõe. Igualmente, consegue estabelecer cumplicidade total do público com os médicos-heróis que enfrentam, com humanidade, um cotidiano de problemas de saúde e dramas sociais graves.

"Aruanas", recém-disponível no Globoplay, faz uma aposta ainda mais alta e complexa. A série não só quer sensibilizar o público para os sérios problemas ambientais que exibe, como parece ambicionar engajá-lo na luta.

Elenco da série 'Aruanas'
Elenco da série 'Aruanas' - Divulgação

Em dez episódios, "Aruanas" procura mostrar o atual processo de desmatamento da Amazônia, a poluição dos rios causada pela exploração de minérios e, especialmente, a vida perigosa dos ativistas que se dedicam à causa.

Fosse um documentário, como outros já realizados pela coprodutora da série, a Maria Farinha Filmes, não seria difícil mostrar quem está do lado certo da história. Ainda mais em 2019. Esta ficção, porém, transformou não só os vilões, mas os heróis em caricaturas.

Escrita por Estela Renner e Marcos Nisti, a série tem como protagonistas as fundadoras de uma ONG de preservação ambiental, Natalie (Débora Falabella), Luísa (Leandra Leal) e Verônica (Taís Araújo). A ação se passa entre São Paulo, Brasília e a fictícia Cari, no Amazonas, onde o empresário Miguel (Luiz Carlos Vasconcelos) batalha pela extinção de uma reserva indígena para ampliar a exploração de ouro.

Bravas, destemidas e donas da verdade, as três ativistas dão a impressão de que tudo é possível na luta ambiental. Natalie, a jornalista, diz coisas assim: "Os meus espectadores assistem a mim porque sabem que eu elejo os assuntos de acordo com as prioridades do país".

Ao ouvir o chefe reclamar que ecologia derruba a audiência, Natalie responde: "Quando a sua Miami tiver virado mar, você vai continuar achando que ecologia não interessa?".

Luísa, a mais agressiva das três, leva o filho pequeno para o meio do conflito em Cari e, ao ser advertida dos riscos por um colega, responde: "Não é porque você me comia que tem o direito de se me meter na minha vida". E acrescenta: "Eu tô ensinando meu filho a ser cidadão".

Olga (Camila Pitanga), a lobista sedutora, explica a Miguel que atua no Congresso explorando "os pontos fracos" dos deputados. "O mercado negro opera mesmo nas vulnerabilidades", diz ela. Como bons vilões, os dois comemoram uma vitória política numa festa íntima regada a cocaína, uísque e sexo.

Em todas as etapas de promoção da série, a Globo tratou abertamente, com orgulho mesmo, do caráter ativista de "Aruanas". "O action drama thriller tem um propósito claro: alertar para a crise ambiental mundial e valorizar e proteger o trabalho de ativistas", divulgou a emissora.

Não há dúvidas sobre o impacto político, econômico e social dos temas tratados em "Aruanas". A causa é justa, mas a mão pesada na caracterização das heroínas dificulta muito a possibilidade de empatia com a luta delas.

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