Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Do retrato à caricatura

'Irmãos Freitas' e 'Irmandade' mostram caminhos diferentes da produção nacional

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A notícia da semana foi o anúncio de que a Netflix pretende investir R$ 350 milhões em conteúdo brasileiro em 2020. Esse valor, equivalente a cerca de US$ 88 milhões, dará conta da produção, aquisição ou licenciamento de 30 novas atrações, entre séries e filmes, no país.

O valor do investimento certamente terá impacto positivo sobre a indústria audiovisual brasileira, mas é ínfimo se comparado a outras apostas da Netflix nos Estados Unidos ou na Europa. Em setembro, por exemplo, a empresa pagou US$ 500 milhões (ou R$ 2 bilhões) à Sony pelo direito de exibir, por cinco anos, todos os 180 episódios de "Seinfeld".

Leandro Hassum foi a cereja no bolo do anúncio dos novos investimentos da Netflix no Brasil. Imaginava-se que este era o seu destino desde maio, quando decidiu não renovar um vínculo que se estendia havia 21 anos com a Globo.

Mais do que os risos provocados em programas de humor na TV, foram os números de bilheteria nos cinemas com comédias elementares que valorizaram o passe de Hassum.

A série "Irmandade", recém-lançada, ajuda a entender o que o espectador pode hoje esperar da Netflix. É uma produção da O2, uma das principais produtoras do país, mas com roteiro que lembra novela das nove da Globo.

Ambientada em 1994, conta a história de uma advogada do Ministério Público Federal (cargo inexistente) que decide mudar de lado e se associar ao irmão, um criminoso que criou uma organização, chamada Irmandade, dentro da cadeia.

A vaga alusão ao PCC, fundado um ano antes, não passa disso mesmo: uma vaga alusão. Inverossímil, com diálogos primários e personagens vazios, "Irmandade" se apresenta como um produto capaz de competir com a programação menos exigente da TV aberta brasileira.

Aliás, em setembro, no México, Reed Hastings, o CEO da Netflix, havia dito: "Acho que deveríamos também fazer algumas telenovelas. E as faremos muito bem". O assunto voltou à baila nesta semana.

Por contraste, "Irmãos Freitas", em exibição no canal Space (Turner) e na Amazon, expressa um outro nível de ambição. De caráter biográfico, a série dramatiza os primeiros passos na carreira de Acelino Freitas, o Popó, um dos maiores boxeadores brasileiros da história.

O grande achado é contar essa história sob a perspectiva da rivalidade de Popó com seu irmão mais velho, Luis Claudio, igualmente lutador de boxe, ambos sob o guarda-chuva de uma mãe guerreira e amorosa, Zuleica, e um pai desocupado e fanfarrão, Babinha.

Criada por Sérgio Machado e Walter Salles, com direção do primeiro (junto com Aly Muritiba) e supervisão artística do segundo, "Irmãos Freitas" explora a ideia, como é dito na abertura do primeiro episódio, que "um boxeador leva ao ringue tudo o que ele é, mesmo os aspectos que desconhece".

Filmada em locação em Salvador, Miami, Nice, Cannes e São Paulo, "Irmãos Freitas" extrai um desempenho impressionante de Rômulo Braga, no papel do irmão de Popó (este vivido por Daniel Rocha). Introspectivo, cismado, Luis Claudio mais observa do que fala, dividido entre a inveja e o impulso de proteger o irmão mais novo.

Sóbria e quase sempre sutil, ainda que tratando de conflitos e situações dramáticas, a série evita apelar ao sentimentalismo. Esse esforço transparece mesmo ao mostrar as condições precárias de vida da família em Salvador, os problemas causados pelo alcoolismo do pai ou o despreparo dos dois lutadores diante do técnico e dos empresários.

"Irmãos Freitas", enfim, segue um outro caminho, diferente do que a Netflix está apontando, na produção de séries brasileiras.

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