Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Didatismo e urgência

Apesar dos problemas, 'Sintonia' e 'Segunda Chamada' se conectam com a realidade

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Olhando em retrospectiva, como se faz sempre em dezembro, me penitencio por ter falado muito pouco, e só de passagem, sobre “Sintonia”. A série criada e dirigida pelo produtor e empresário KondZilla, lançada pela Netflix em agosto, ambiciona mostrar ao grande público como é a vida de três jovens amigos num bairro da periferia de São Paulo.

O incômodo inicial que “Sintonia” causa está ligado justamente ao didatismo exagerado do texto. Salta aos olhos o esforço para descrever a realidade da “quebrada” a quem não a conhece e, ao mesmo tempo, alertar jovens que moram ali, como os personagens, a não vacilar ou ir para o mau caminho.

Também atrapalha a fruição as molduras muito nítidas, sem nuances, que enquadram os três protagonistas: o aspirante a cantor Doni (MC Jottapê), o criminoso Nando (Christian Malheiros) e a evangélica Rita (Bruna Mascarenhas).

Relevei estes problemas quando comecei a acreditar que aqueles personagens estavam me falando coisas que eu desconhecia, em situações originais, numa versão quase indecifrável da língua portuguesa.

As cenas em que Nando é confrontado por integrantes da facção criminosa da qual começa a fazer parte são incomparáveis, em matéria de impacto (texto, direção e interpretação), com qualquer situação parecida já vista na ficção brasileira.



Sem família e poucas perspectivas, Rita se deixa acolher pela pastora de uma igreja do bairro, mas a vivência acumulada da jovem, ainda que pequena, é suficiente para ela não se deixar levar totalmente. A certa altura, ela explica a uma vítima de violência doméstica que o marido não está com o demônio no corpo, mas sim cometendo um crime.

 “Sintonia” mais ensina do que entretém, é verdade, mas faz isso em tamanha sintonia (perdão) com o espírito do tempo que a experiência pode ser, ao menos, reconfortante.

Esta combinação de didatismo e urgência em ficções muito calcadas em problemas reais é um filão que a Globo também explorou com sucesso na TV aberta em 2019. A segunda temporada de “Carcereiros”, a terceira temporada de “Sob Pressão” e a estreia de “Segunda Chamada” estão aí para mostrar isso, tanto em termos de audiência quanto repercussão.

A série sobre uma escola noturna de ensino para adultos, também ambientada num bairro não central de São Paulo, testou a resistência do espectador com uma sucessão exagerada de dramas (e truques para fisgar o espectador). Acompanhamos as dificuldades enormes, ligadas à própria sobrevivência, de uma série de alunos, além dos inúmeros problemas pessoais dos professores.



A primeira temporada (11 episódios), escrita por Carla Faour e Julia Spadaccini, com direção de Joana Jabace, terminou esta semana com a formatura dos alunos.

Por coincidência, um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro chamar o educador Paulo Freire (1921-1997) de “energúmeno”, a professora Lucia (Débora Bloch) disse aos estudantes adultos: “Eu aprendo muito com vocês todos. Como dizia o grande educador Paulo Freire, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda. Eu desejo, do fundo do meu coração, que vocês sejam agentes transformadores desse país”.

Na sequência, a cobradora de ônibus Natasha (vivida pela cantora trans Linn da Quebrada) cantou “Tente Outra Vez”, o hino com mensagem de superação imortalizado por Raul Seixas: “Você tem dois pés/ Para cruzar a ponte/ Nada acabou!”. Quem viu, se emocionou.

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